Liminha é um nome dos mais importantes do rock brasileiro. Além de ter feito parte do antológico grupo Mutantes, se tornou nos anos 80 um produtor dos mais requisitados e respeitados do Brasil, sendo o grande responsável, por exemplo, pela virada do som dos Titãs, ao produzir o histórico disco "Cabeça Dinossauro", em 1986, e os discos posteriores da banda, além de outros artistas. Nessa entrevista, concedida ao jornalista Ricardo Cruz e publicada em agosto de 2003 na revista da MTV, Liminha fala de sua carreira e suas histórias:
MTV - Como foi seu começo na música?
Liminha - Comecei bem cedo. Com 9, 10 anos de idade entrei no colégio em que minha irmã estudava em São Paulo, onde nasci. Estava começando a tocar violão e fiz uma música, com letra, para a escola. Eu tocava para as menininhas do colégio, fazia o maior sucesso. Passei por várias bandinhas, e meu pai me deu um baixo quando eu tinha uns 12, 13 anos. Lembro que uma menina que tinha me visto tocar com a minha banda num clube me convidou para uma festa e quando cheguei lá já tinha uns 15 caras me esperando para me enfiar porrada.
MTV - Você que pediu um baixo?
Liminha - Foi, mas na verdade eu experimentei. Minha irmã mais velha levou um dia uma banda em casa para tocar num sábado à tarde e na hora que deu um break eu sentei na bateria e comecei a batucar. O pessoal disse: 'Pô, o moleque tem jeito, e meu pai me deu uma bateria, que ficou uma semana em casa. Ninguém aguentou o barulho. Eu fechava tudo quanto era cortina para abafar o som, mas meu pai disse: 'Bateria é instrumento de índio, toque baixo, toque guitarra, sei lá o que'. Aí me encantei com o baixo, parecia uma coisa de outro planeta, música de gente grande. Com o baixo que ele me deu toquei em bandas, fazendo a surf music instrumental da época. A primeira banda foi o The Thunders, a segunda foi The Smarts, era tudo 'The'.
MTV - E como você entrou nos Mutantes?
Liminha - Conheci o Sérgio Dias quando eu tinha uns 16 anos e foi o maior adianto pra mim, porque ele estava anos-luz à frente de todo mundo. Fui na casa dele, vi as guitarras que o irmão fazia, umas cópias de Fender Jaguar, ele fazia amplificadores também. Fiquei amigo dele. Depois disso eu entrei numa banda que se chamava Os Baobás, a gente tocava só cover em São Paulo, numas festinhas de domingo no clube Pinheiros, no Círculo Militar, chamadas mingau. Com essa mesma banda gravei dois compactos com músicas internacionais - Light My Fire, dos Doors, e The Dock of the Bay, do Otis Redding.
MTV- Os Baobás tocaram com Caetano, não?
Liminha - Na época da Tropicália eu deveria ter uns 17 anos e o Caetano estava precisando de uma banda. Não sei como ele acabou indo procurar os Baobás. Aí, tocando com ele, comecei a encontrar com os Mutantes na televisão e eles me chamaram para participar de dois festivais. Acabou que eu entrei no disco Divina Comédia, que era o terceiro da carreira deles.
MTV - Isso em 1969, 1970?
Liminha - Era fim de 1969. Eu me lembro que em 1970 entrei na faculdade e fiquei até setembro porque fomos tocar em Paris. Quando voltei, já tinha chutado o pau da barraca e larguei a faculdade. Aí o negócio da música engatou.
MTV - Você fazia faculdade de música?
Liminha - Não, fui fazer administração de empresas...
MTV - Para fazer a vontade de seu pai?
Liminha - Sim, para agradar a família no mesmo ano prestei vestibular para farmácia e bioquímica porque meu pai tinha um laboratório de análises clínicas. Mas a música falou mais alto e fiquei nos Mutantes até 1974, 1975.
MTV - Daí começou a produzir?
Liminha - Mudei para o Rio e comecei a trabalhar como músico freelance, gravando com uma porrada de gente, o que me deu uma baita experiência. Sempre gostei de estúdio, de ficar vendo, fuçando. Nem entendo de eletrônica, mas adoro equipamentos eletrônicos. Mais ou menos em 1976 me convidaram para ser assistente de produção na Warner e produzi um monte de gente.
MTV - Qual foi o trabalho que te marcou neste começo de carreira como produtor?
Liminha - Entre as coisas que fiz, uma das primeiras e que gosto muito é o primeiro disco da Banda Black Rio, o Maria Fumaça. Nem assino a produção, mas a direção de estúdio. Foi muito legal trabalhar com eles, é um disco importante que até hoje é reeditado, lançado aqui e lá fora.
MTV - E aí você produziu As Frenéticas?
Liminha - O Nelson Motta tinha feito o Dancing Days, uma boate na Gávea, onde as garçonetes, em uma determinada hora da noite, subiam ao palco e cantavam. Eram As Frenéticas. Aí a Warner jogou essa produção na minha mão, eles não sabiam no que iria dar. Eu adorei porque com elas tive a possibilidade de exercitar meu know-how de rock com tranquilidade. Ali havia músicas como Perigosa, que a Rita Lee mandou, que era uma coisa meio Rolling Stones. Elas não eram grandes cantoras, a Dudu cantava bem, mas consegui uma sonoridade superlegal. Não tinha compromisso com o passado de sucesso, de ter que dar certo ou se superar. A gente fez e foi o maior estouro, o primeiro disco de ouro da Warner.
MTV - Já havia uma tradição de produtores musicais no Brasil?
Liminha - Não, e eu não tinha experiência. Na verdade ficava frustradíssimo porque só ouvia disco legal, mas não conseguia tirar aqueles sons que eu gostava. Escutava Pink Floyd e pensava: 'Porra, como faço para ter esse grave, esse peso no som?' Não sabia como, mas fucei muito, li muito, fui muito cdf. Sempre corri muito atrás do som porque queria melhorar a qualidade da música brasileira mesmo. Lembro que a gente ligava o rádio e tocava uma música nacional com um som horrível, mais baixo, mais abafado, menos pressão, menos tudo, e eu ficava puto com isso.
MTV - E quando você conseguiu tirar esse som, equivalente aos gringos?
Liminha - Quando fui para Los Angeles, no fim dos anos 70, produzir o Luar, do Gilberto Gil. Tive a sorte de o engenheiro de som Humberto Gatica, um cara muito gente fina que já havia trabalhado com um monte de gente, inclusive o Michael Jackson, me ajudar muito. Eu levei um caderno com todas as anotações das gravações do Gil. Ele viu que eu era muito interessado e me deu altos toques que eu uso até hoje no estúdio. Acredito que essa minha ida a Los Angeles tenha sido um verdadeiro marco na qualidade de produção nacional.
MTV - Foi a fase em que Gil se firmou como vendedor de discos, no começo dos anos 80?
Liminha - O Gilberto Gil havia passado a ser um grande vendedor de discos com o Realce, o disco anterior, que ele havia gravado em Los Angeles, e eu me esforcei muito. Fiquei apavorado porque tinha de conseguir no mínimo a mesma qualidade do disco anterior. Lembro que, quando eu cheguei ao estúdio para gravar, o assistente veio me mostrar a demo da banda dele e foi um susto porque era melhor, em termos de qualidade de som, que o disco do Gil. Faltava aqui informação, aquela troca de aprender as coisas vendo os outros fazendo, não tinha com quem aprender, tinha que fuçar mesmo, correr atrás. E foi isso que eu fiz.
MTV- Como você definiria seu trabalho de produtor de música para um leigo?
Liminha - Vejo essa minha profissão como uma espécie de composição, você tem que estar inspirado, tem que ser criativo e estar informado do que está acontecendo. O produtor de disco nada mais é do que um diretor de cinema, completamente envolvido com o todo, vivendo as cenas, fazendo as melhores tomadas, dando sugestões. O talento de um produtor está dentro de um artista, é detectar o que ele tem de melhor e viabilizar e dar ideias. Tem que ser uma troca, não é um trabalho em que você só executa tarefas. Tem também um lado administrativo-musical com o lado artístico, que é pensar e organizar o repertório, fazer um organograma de gravação, pensar num arranjo e nos músicos que melhor o executariam, descolar a sonoridade. É um universo amplo, tem que cuidar de tudo, da administração do dinheiro, do tempo, seguir os prazos. O produtor é um link entre o artista, a gravadora, os músicos e profissionais envolvidos, tem de ter uma visão global, um senso crítico muito aguçado. É uma atividade complexa.
MTV - Como era a questão das drogas nos anos 70, na época dos Mutantes?
Liminha - Era muito diferente do que é hoje, claro. A gente achava bebida coisa de maurício, era radicalmente contra. Existia uma preocupação, uma certa filosofia, misturado com macrobiótica, esoterismo, de fumar ou tomar alguma coisa e achar que estava entrando em contato com o inconsciente coletivo. A gente não tomava droga para ir em baile de carnaval ou para cair na balada. A gente era bem louco, mas era outra época, existia todo um romantismo, era mais saudável. Nos Mutantes a gente conseguiu canalizar essa loucura para uma coisa positiva e produtiva. A gente ficava doido, mas o negócio saía direto, não me pergunte como. Fico meio grilado de falar de drogas porque a gente tá vivendo um momento superdelicado em que a droga faz parte do crime organizado, alimenta todo um ciclo de violência. Tive a sorte de passar por isso e não ter ficado com sequelas, de conseguir tocar minha vida, mas muitos amigos deram uma pirada, ficaram pra trás.As drogas fazem mal e são muito perigosas.
MTV - Quando você ouve uma música, dá pra dizer se ela vai estourar?
Liminha - Essa é a coisa mais difícil que existe, a bola de cristal na maior parte das vezes está embaçada. O que é muito ruim do que é muito bom é fácil de distinguir, o complicado é o que fica no meio. Dizer se isso ou aquilo vai dar certo é uma tarefa impalpável demais, não tenho essa receita de bolo. E a música é um pouco de fenômeno. No primeiro disco tem aquele impacto da novidade, mas quando você faz muito sucesso no primeiro, meu amigo, fazer o segundo é uma encrenca.
MTV - Tem a história no livro Dias de Luta, de você ter dado ao Lulu Santos um livro sobre como fazer músicas de sucesso. Foi isso mesmo?
Liminha - Foi, comprei na Tower Records de Los Angeles um livro que se chama How to Write Hit Songs e botei na mão do Lulu. O livro dizia quer a música tinha que ter um refrão que você conseguisse assobiar. O Lulu disse que esse livro o ajudou pra caramba. Foi uma puta duma dica pra mim porque na época dos Mutantes, ou mesmo mais tarde na época das Frenéticas, muitas músicas não tinham refrão, e eu não me preocupava, formatava a música do jeito que minha sensibilidade mandava. Depois comecei a pensar na concepção musical mesmo. "
MTV - E quando você conseguiu tirar esse som, equivalente aos gringos?
Liminha - Quando fui para Los Angeles, no fim dos anos 70, produzir o Luar, do Gilberto Gil. Tive a sorte de o engenheiro de som Humberto Gatica, um cara muito gente fina que já havia trabalhado com um monte de gente, inclusive o Michael Jackson, me ajudar muito. Eu levei um caderno com todas as anotações das gravações do Gil. Ele viu que eu era muito interessado e me deu altos toques que eu uso até hoje no estúdio. Acredito que essa minha ida a Los Angeles tenha sido um verdadeiro marco na qualidade de produção nacional.
Realce e Luar, discos de Gilberto Gil |
Liminha - O Gilberto Gil havia passado a ser um grande vendedor de discos com o Realce, o disco anterior, que ele havia gravado em Los Angeles, e eu me esforcei muito. Fiquei apavorado porque tinha de conseguir no mínimo a mesma qualidade do disco anterior. Lembro que, quando eu cheguei ao estúdio para gravar, o assistente veio me mostrar a demo da banda dele e foi um susto porque era melhor, em termos de qualidade de som, que o disco do Gil. Faltava aqui informação, aquela troca de aprender as coisas vendo os outros fazendo, não tinha com quem aprender, tinha que fuçar mesmo, correr atrás. E foi isso que eu fiz.
MTV- Como você definiria seu trabalho de produtor de música para um leigo?
Liminha - Vejo essa minha profissão como uma espécie de composição, você tem que estar inspirado, tem que ser criativo e estar informado do que está acontecendo. O produtor de disco nada mais é do que um diretor de cinema, completamente envolvido com o todo, vivendo as cenas, fazendo as melhores tomadas, dando sugestões. O talento de um produtor está dentro de um artista, é detectar o que ele tem de melhor e viabilizar e dar ideias. Tem que ser uma troca, não é um trabalho em que você só executa tarefas. Tem também um lado administrativo-musical com o lado artístico, que é pensar e organizar o repertório, fazer um organograma de gravação, pensar num arranjo e nos músicos que melhor o executariam, descolar a sonoridade. É um universo amplo, tem que cuidar de tudo, da administração do dinheiro, do tempo, seguir os prazos. O produtor é um link entre o artista, a gravadora, os músicos e profissionais envolvidos, tem de ter uma visão global, um senso crítico muito aguçado. É uma atividade complexa.
MTV - Como era a questão das drogas nos anos 70, na época dos Mutantes?
Liminha - Era muito diferente do que é hoje, claro. A gente achava bebida coisa de maurício, era radicalmente contra. Existia uma preocupação, uma certa filosofia, misturado com macrobiótica, esoterismo, de fumar ou tomar alguma coisa e achar que estava entrando em contato com o inconsciente coletivo. A gente não tomava droga para ir em baile de carnaval ou para cair na balada. A gente era bem louco, mas era outra época, existia todo um romantismo, era mais saudável. Nos Mutantes a gente conseguiu canalizar essa loucura para uma coisa positiva e produtiva. A gente ficava doido, mas o negócio saía direto, não me pergunte como. Fico meio grilado de falar de drogas porque a gente tá vivendo um momento superdelicado em que a droga faz parte do crime organizado, alimenta todo um ciclo de violência. Tive a sorte de passar por isso e não ter ficado com sequelas, de conseguir tocar minha vida, mas muitos amigos deram uma pirada, ficaram pra trás.As drogas fazem mal e são muito perigosas.
MTV - Quando você ouve uma música, dá pra dizer se ela vai estourar?
Liminha - Essa é a coisa mais difícil que existe, a bola de cristal na maior parte das vezes está embaçada. O que é muito ruim do que é muito bom é fácil de distinguir, o complicado é o que fica no meio. Dizer se isso ou aquilo vai dar certo é uma tarefa impalpável demais, não tenho essa receita de bolo. E a música é um pouco de fenômeno. No primeiro disco tem aquele impacto da novidade, mas quando você faz muito sucesso no primeiro, meu amigo, fazer o segundo é uma encrenca.
MTV - Tem a história no livro Dias de Luta, de você ter dado ao Lulu Santos um livro sobre como fazer músicas de sucesso. Foi isso mesmo?
Liminha - Foi, comprei na Tower Records de Los Angeles um livro que se chama How to Write Hit Songs e botei na mão do Lulu. O livro dizia quer a música tinha que ter um refrão que você conseguisse assobiar. O Lulu disse que esse livro o ajudou pra caramba. Foi uma puta duma dica pra mim porque na época dos Mutantes, ou mesmo mais tarde na época das Frenéticas, muitas músicas não tinham refrão, e eu não me preocupava, formatava a música do jeito que minha sensibilidade mandava. Depois comecei a pensar na concepção musical mesmo. "
O Liminha já era fera na época dos Mutantes. Comecei a entender o valor do trabalho dele como produtor musical, quando vi uma cantora fazendo reverências para ele.
ResponderExcluirO trabalho de Liminha como produtor de discos foi fundamental para vários artistas e bandas. Daí sua importância. Abraço
ExcluirDelícia de entrevista!
ResponderExcluirObrigado, Zé Antonio, pelo comentário. Realmente é uma ótima entrevista. Abraço
Excluirhola, he conocido a Liminha luego de leer este articulo, la traduccion no ayuda, pero me gusto y amplio mi conocimiento. gracias
ResponderExcluirGracias, Jorge
ResponderExcluirEncontrei o Liminha em 1964, foi uma influência que dura até hoje, me mostrou como tocar um blues e às vezes me chama para ir ao Nas Nuvens...
ResponderExcluirLiminha é referência, sem dúvida
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