Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O Legado Despojado do Genial Chet Baker

Chet Baker foi um daqueles músicos revolucionários do jazz. Além de excelente trompetista, sendo considerado um dos inventores do "cool jazz", Baker também se destacou como cantor, com sua voz suave, pequena e bem colocada. Porém, as drogas pesadas acabaram destruindo a carreira desse músico inovador, que experimentou a glória e a decadência, chegando a gravar em seus tempos menos inspirados, discos de qualidade bem abaixo de seu talento. Essa decadência pode ser comprovada em seu aspecto físico - de galã dos primeiros tempos a um aspecto físico que reflete seus tempos de sarjeta e ostracismo. Chet morreria em 1988 em circunstâncias misteriosas, ao cair da janela de um hotel na Holanda. Ao completar dez anos de sua morte, o Jornal do Brasil publicou em 10/05/98 uma matéria sobre o músico, escrita por Luiz Orlando Carneiro:
"Quando caiu ou foi empurrado para a morte, do primeiro andar de um hotel de Amsterdam, há dez anos (13/05/88), Chet Baker ainda não tinha completado 59 anos. Mas o rapaz de 22 anos, com a cara e o jeito de James Dean que, ao lado de Gerry Mulligan, adjetivou o jazz de cool, apresentava, 37 anos depois, em seu rosto erodido pelas drogas, sulcos tão profundos como a depressão e a angústia que o consumiram.
O corpo de Chet Baker se foi. Mas a música do trompetista - eventualmente um cantor peculiar, cuja voz era uma extensão do seu sopro e de uma linguagem melódica despojada, clara, intensamente lírica, com respeito a certos silêncios só conhecidos pelo Miles Davis dos anos 50/60 - sobrevive, inesquecível. Pelo menos a julgar pelas diversas reedições de material de primeira qualidade ou de padrão discutível - e até deplorável - aparecidas nestes últimos anos.
E não podia deixar de ser de outra forma. Pois Chestney 'Chet' Baker, nascido em Oklahoma, em 1929, conheceu cedo o céu da fama, como co-líder do histórico pianoless quarteto com o saxofonista-barítono Gerry Mulligan (1952-53). E ao lado de Charlie Parker, naquela noite de 16 de junho de 1952, no Trade Winds, clubezinho de Inglewood, subúrbio de Los Angeles. Ou como a 'nova estrela' do trompete no referendo de 1953 da revista Down Beat.
Mas também não deixaria de conhecer o inferno dos becos e das sarjetas, onde são agredidos e abandonados os escravos das drogas que, como Chet, perderam a vida 'por excesso de delicadeza' (ou por fragilidade e excesso de sensibilidade).
Chet Baker disse que só começou na heroína depois de sua primeira turnê europeia (setembro de 1955 a abril de 1956), ao voltar para casa, deprimido com  a morte, por overdose, de seu companheiro de quinteto - o brilhante pianista Dick Twardzick (1931-55).
Tornou-se um dependente, com tentativas várias de 'minorar' o problema, na base de álcool e drogas menos pesadas, e sua carreira não poderia deixar de refletir as ondulações decorrentes dessa situação, da qual nunca se livrou. Em 1968, na Itália, Chet perdeu os dentes, ficando muito tempo sem tocar, depois de agredido por atrasar o pagamento de um de seus 'fornecedores'.
Assim é que, para se organizar uma discografia básica e representativa de Chet Baker é preciso - fora os clássicos do período 1952-53 e os registros de sua associação com o sax-alto Art Pepper e o pianista Russ Freeman - separa o Chet clean do Chet que gravava qualquer coisa, em quaisquer condições, para manter sua condição de addict.
Nas duas últimas décadas de sua vida, Chet costumava gravar bem, devidamente 'dosado' e relaxado, em estúdios e clubes pequenos, como o Montmartre, de Copenhague, ou o finado Lush Life, de Nova Iorque. Nunca foi um músico de festivais. Gente demais o apavorava. E, mesmo à vontade, havia noites ótimas e outras péssimas, como pude constatar em outubro de 1985, no New Morning, Paris. Surpreendentemente, sete meses antes, gravava, num estúdio de Copenhague, em duo relaxado com o pianista Paul Bley, o antológico Diane (Steeplechase), que contem um sublime If I Shoud Loose You.
Partindo do fim para o início, Diane parece ser o último disco significativo da discografia perigosamente enganosa de Chet Baker, já que a permanência do mito comparável a James Dean e a Jack Kerouac foi razão bastante para muita pirataria com material de baixo nível.
Assim, recomendam-se também The Italian Sessions (RCA/Bluebird), de 1962, com o pianista Amadeo Tommasi (Ballata In Forma de Blues), o saxofonista Bobby Jaspar, Daniel Humair (bateria), René Thomas (guitarra) e Benoit Quersin (baixo).
As sessões Prestige, de 1965, foram reeditadas há dois anos, em três CDs: Lonely Star, Stairway To The Star e On a Misty Night. São os antigos LPs Cool Burnin', Boppin', Comin'On e Smokin', em que Chet se mostra mais hot do que cool, tocando fluegelhorn, em companhia de boppers de expressão como George Coleman (sax-tenor), Kirk Lightsey (piano) e Roy Brooks (bateria).
Chet Baker é também imperdível, ao lado de Art Pepper, Richie Kamuca (sax-tenor)e Pete Jolly (piano), no excelente The Route (Pacific Jazz), de julho de 1956.
As 24 faixas básicas do histórico quarteto com Gerry Mulligan (1952-53) podem ser encontradas na série francesa Giants of Jazz. Mas quem quiser muito mais terá de procurar a caixa de 4 CDs The Pacif Jazz Years ou encomendar as edições especiais (três CDs cada) da Mosaic, com o pianista Russ Freeman (MD3 113 e MD3 112)."

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