Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

De Jorge Mautner, sobre Paulo Leminski


No livro O Coronel eo Lobisomem, de José Candido de Carvalho, há uma frase que diz: "Uma desgraça nunca vem solteira". Isso eu senti em junho de 1989, quando soube da morte da cantora Nara Leão. Fui ver o telejornal do fim da noite, aguardando uma matéria sobre a cantora. Em dado momento o locutor diz: "Morreu hoje..." Quando eu esperava ouvir o nome de Nara, ele completa ".. o poeta e escritor Paulo Leminski". Foram duas porradas num dia só. Leminski já era na época um dos meus poetas preferidos, e eu o havia descoberto apenas alguns anos antes, quando seus livros começaram a ser publicados com maior frequência. Entre tantas merecidas homenagens que lhe foram feitas, umas delas foi uma edição especial do tabloide cultural de Curitiba (sua terra natal) Nicolau, do qual era assinante. Foi uma bonita edição, com depoimentos e textos de vários de seus admiradores, como o exemplo abaixo, de Jorge Mautner.
Eterna Moderna Poesia
Paulo Leminski foi e sempre será o além-poeta da tempestade. Ele é a síntese de todo aquele romantismo da Polônia e do romantismo do Brasil. Um samurai-poeta. Falávamos muito de artes marciais e da sua importância na poesia como um ato de vida. Sempre socialista – um socialismo não-científico – onde pulsava o coração das paixões humanas. Discutíamos muitos as religiões, as diferentes religiões da humanidade – e Paulo Leminski jamais ocultou seu imenso cristianismo. Era como se ele fosse um dos primeiros cristãos, antes do cristianismo conquistar Roma. Pediram-me que eu escrevesse algo relativo ao aspecto de “geração”. Leminski é da minha geração. Lembrar-me-ei para sempre e carregarei comigo a lembrança de nossas conversas infinitas – onde despontavam temas que iam da miséria humana e brasileira até a bomba atômica e as incomensuráveis riquezas do ser humano, demasiadamente humano. Conheci Leminski na sua amada Curitiba por ocasião de um dos meus shows nesta cidade. Carrego a responsabilidade de tê-lo influenciado a transportar sua incrível eterna-moderna poesia para a direção da música popular e transformá-la em poesia-letra. Leminski era alguém situado bem no torvelinho das emoções desse estranho animal chamado de ser humano que mais parece um ser desumano do que humano. Sua experiência, oriunda da experiência da memória dos humilhados e ofendidos, se encontrava sempre com a minha ironia, oriunda de memórias de minorias pogrons e vivência dos guetos de Varsóvia. O que sempre nos uniu é a luta sem tréguas contra o nazismo universal.
Jorge Mautner – músico e poeta

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