Em 1996 o letrista e cronista Aldir Blanc completava 50 anos. A data foi marcada pelo lançamento do CD "Aldir Blanc 50 anos". Em sua edição de 17 de novembro daquele ano, mais de dois meses após o aniversário do homenageado, o Jornal do Brasil trazia uma matéria sobre o lançamento do CD, além do livro "Um Cara Legal na 19ª", de crônicas. A matéria é intitulada "Ourives do palavreado faz 50 anos". O texto sobre o CD é assinado pelo crítico Tárik de Souza, e o sobre o livro, por Moacyr Andrade:
"Logo na faixa de abertura do generoso disco auto-homenagem Aldir Blanc 50 anos (Alma), com 21 faixas do mais refinado lavor lítero-musical, o poeta, letrista, cronista e baterista recebe o aval do baiano-mor Dorival Caymmi. O buda nagô, que brigou até com o dono de seu estado pelo direito à dupla cidadania carioca, elogia o 'ourives do palavreado' numa sentença definitiva. 'Todo mundo é carioca, mas Aldir Blanc é carioca mesmo', bate o martelo. Além da voz de Caymmi e do pernil de Monique Evans, em relevo na foto da capa, ('ficou frontal e eu suava diante daquela calcinha azul', brinca o poeta), o disco de Aldir é uma festa de de adesões estelares. Participam Edu lobo, Paulinho da Viola, MPB-4, Leila Pinheiro, Ed Motta, Ivan Lins, Nana e Danilo Caymmi, Emílio Santiago, Fátima Guedes e mais Carol Saboya, Clarice Gova, Arranco de Varsóvia, além de uma roda de samba campeã com Ney Lopes, Wilson Moreira e Walter Alfaiate, debulhando com o astro principal as finas grossuras de Mastruço e Catuaba, um glossário sobre a impotência sexual masculina. O disco fecha com um coral de amigos liderado por Betinho no épico O Bêbado e a Equilibrista, um hino do exílio que coloca o irmão do Henfil como personagem símbolo.
O decantado carioquismo de Aldir Blanc Mendes (lançado num remoto festival universitário via Amigo é pra essas coisas, com Silvio Silva Jr.) (*) conservado em formol suburbano, na zona do agrião entre a Tijuca (onde mora) e a Vila Isabel (onde foi criado), descende da linhagem dos cronistas da cidade ao lado de João do Rio, Manuel Antônio de Almeida, Lima Barreto e Marques Rebelo. Reconhece influências na poesia de Manuel Bandeira (´pela falsa noção de facilidade de seus versos', destila), no seresteiro urbano Orestes Barbosa e na picardia de Noel Rosa, um de seus maiores ídolos na música ao lado do 'padrinho' Caymmi. A lupa psicanalítica de quem já serviu no manicômio do Engenho de Dentro ('tinha sempre 40 roupas para 80 internos, a metade andava nua', deplora) tem reflexos do épico burlesco de Nélson Rodrigues e do minimalismo perverso de Dalton Trevisan. A biblioteca onde ele se abriga para compor e ler no amplo apartamento tijucano, tem de Freud a mitologia grega, do poeta colaboracionista Ezra Pound a revolucionária Rosa de Luxemburgo. E não falta jazz contemporâneo na discoteca, destaques para o guitarrista Kevin Eubanks e o sax alto Antonio Hart. 'Essa história de que tudo parou em Miles Davis é furada', demole o insuspeitado jazzófilo Aldir.
O refinamento de quem venera de Bud Powell a John Coltrane desfila etéreo nas harmonias complexas de Crescente Fértil, parceria surpreendente com Ed Motta. Também cintila nos recortes e dissonâncias do choro Pianinho, com Edu Lobo. Sonho de Válvulas, uma ode ao trombone de gafieira, prefacia a versão de Aldir (um cantor inclinado aos graves) para o clássico de Glenn Miller Moonlight Serenade. Desconhecido no Brasil, o Rolando que ginga no samba Na Orelha do Pandeiro é o da dupla Les Étoiles, de sucesso na França nos 70, e ex-integrante do MAU (Movimento Artístico Universitário), onde Aldir começou ao lado de Gonzaguinha e Ivan Lins. Da experiente Nana Caymmi (cortante no bolero Siameses, auto-retrato da dupla com João Bosco) à noviça Carol Saboya, filha do pianista Antonio Adolfo (sublime em Carta de Pedra), as bodas de ouro colhem um Aldir em plena forma & conteúdo. 'Aos 50 anos insisto na juventude', ensina o poeta na voz de Paulinho da Viola, na faixa título. "
A matéria traz ainda uma resenha do livro "Um Cara Bacana na 19ª", de contos, crônicas e poemas de Aldir, assinada por Moacyr Andrade, com o título 'Vida como é no Rio:
"Numa mesa do Acrópole, bar do início da Rua Barata Ribeiro onde os boêmios, no raiar dos anos 60 tomavam ao amanhecer uma sopa russa - ou grega - que em 100% dos casos prevenia a ressaca, o cronista Antônio Maria contou certa vez que escrevia as quatro laudas e tanto do JAM, Jornal de Antônio Maria, a coluna que então publicava num dos diários associados de Assis Chateaubriand, em menos de meia hora. É provável que Aldir Blanc não tenha - nem queira - esse pique. Mas, tal como Maria, já trabalha sob a pressão (êpa!: quando se fala de Aldir o dialeto dos botequins aflora com a maior naturalidade) das encomendas. Blanc, como o tratam com solenidade brincalhona os mais próximos, é colunista de dois jornais, um no Rio e outro em São Paulo, e para os dois escreve crônicas diferentes, nada de cópias xerográficas. E este Um Cara Bacana na 19ª foi concluído quase em simultaneidade com as memórias de Vila Isabel que Aldir lançou há pouco mais de um mês.
"Numa mesa do Acrópole, bar do início da Rua Barata Ribeiro onde os boêmios, no raiar dos anos 60 tomavam ao amanhecer uma sopa russa - ou grega - que em 100% dos casos prevenia a ressaca, o cronista Antônio Maria contou certa vez que escrevia as quatro laudas e tanto do JAM, Jornal de Antônio Maria, a coluna que então publicava num dos diários associados de Assis Chateaubriand, em menos de meia hora. É provável que Aldir Blanc não tenha - nem queira - esse pique. Mas, tal como Maria, já trabalha sob a pressão (êpa!: quando se fala de Aldir o dialeto dos botequins aflora com a maior naturalidade) das encomendas. Blanc, como o tratam com solenidade brincalhona os mais próximos, é colunista de dois jornais, um no Rio e outro em São Paulo, e para os dois escreve crônicas diferentes, nada de cópias xerográficas. E este Um Cara Bacana na 19ª foi concluído quase em simultaneidade com as memórias de Vila Isabel que Aldir lançou há pouco mais de um mês.
O livro reúne crônicas, poemas, contos e uma antologia de letras de canções. Em quatro formas de expressão, salta das páginas antes de mais nada o pulsar da cidade, o recalcitrante modo carioca de celebrar a vida, tantas vezes declarado morto e enterrado por um suposto cosmopolitismo compulsório. Do ponto de vista da criação literária, impressiona sobretudo a capacidade do autor de esculpir com uma só frase, uma bagatela de palavras, situações e personagens perfeitamente definidos. Está nesse caso, por exemplo, um tipo da letra de canção Negão nas parada (assim msmo, no singular), um certo Dunga, 'bandido joia e cana dura', o agente duplo destes tempos nos quais a separação proclamada por Lúcio Flávio Vilar Lírio, 'bandido é bandido e polícia é polícia', parece, essa sim, definitivamente enterrada.
Noutra letra de canção, agora um choro, Pianinho, Aldir registra uma advertência de Radamés Gnatalli contra a 'falta de medida' e promete acatar 'essa voz que me aconselha'. A jura evidentemente é fruto da admiração pelo grande maestro, pois Blanc às vezes, muitas vezes, afasta o equilíbrio e pisa fundo, com aquela crueldade santificada de Henfil, na indignação contra o comportamento escroque dos poderosos e, com o ardoroso despudor de um hipotético Carlos Zéfiro contista, na explicitação sem rodeios da anatomia dos amantes. Tudo, no entanto, sem perder o poder do estilo, a capacidade de transcrição da vida para a criação, a generosidade e a vocação do amor à cidade, flagrante até quando menciona os vira-latas de Catumbi. "
(*) Na verdade, o lançamento de Aldir como letrista aconteceu dois anos antes, no mesmo festival, com a música "Nada Sei de Eterno", defendida por Taiguara
Blanc,Bosco e Elis...
ResponderExcluirElis foi a grande porta-voz da dupla, e ajudou bastante a torná-los uma dupla antológica
ResponderExcluirMinha parceria favorita da MPB.
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