Texto não assinado, publicado na revista Música Brasileira nº 10, em março de 1998:
" 'Eu sou o que sou/ Pronome pessoal e intransferível/ Do homem que iniciei/ Na medida do impossível'
Musicados por Gilberto Gil, esses versos desesperados de um dos maiores poetas do movimento tropicalista brasileiro dão a dimensão do valor de Torquato Neto, um dos nomes mais importantes do movimento musical que neste 98 completa 30 anos, com pompa, circunstâncias e justa badalação.
Trágico e atormentado, Torquato Neto se matou no dia 10 de novembro de 1972, abrindo o gás do banheiro do apartamento onde morava no Rio de Janeiro, ao retornar da festa em que comemorava com os amigos os seus 28 anos de idade. Nascera em Teresina, cidade que depois inspirou Caetano Veloso a compor os versos 'Existirmos, a que será que se destina?/ Pois quando tu me deste a rosa pequenina/ Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina/ Do menino infeliz não se nos ilumina...' dedicados a Torquato e com os quais presenteou o pai do poeta, o promotor público Heli Nunes.
Em uma coluna jornalística que fez muito sucesso e deu muito o que falar no final da década de 60, nas páginas do extinto diário Última Hora, Torquato escreveu sobre tudo e sobre todo mundo que ocupava a mídia. A coluna chamava-se Geleia Geral, título que depois ele deu também a uma de suas letras, musicada por Gilberto Gil (O poeta desfolha a bandeira/ E a manhã tropical se inicia...). Gil, aliás, foi talvez o parceiro mais constante e mais afinado com as letras do poeta trágico, e merece registro sobretudo as maravilhosas Louvação e Soy Louco por Ti, América.
Compôs em parceria com Caetano Veloso (Ai de Mim, Copacabana e outras), Edu Lobo (Pra Dizer Adeus - Adeus/ Vou pra não voltar/ E onde quer que eu vá/ Sei que vou sozinho...), Carlos Pinto (Três da Madrugada), Jards Macalé e com muita gente que sequer sobreviveu à efervescência do movimento tropicalista.
Torquato, Caetano e Capinan - anos 60 |
Nos últimos anos de vida Torquato Neto viveu momentos de profundas depressões, sempre balanceados com arroubos espontâneos de criatividade. Foi várias vezes internado no sanatório do Engenho de Dentro, no Rio, experiência utilizada na construção de poemas mais tarde reunidos no livro póstumo Últimos Dias de Paupéria. Lá está um poeminha que diz assim: "Quando eu nasci um anjo torto veio ler a minha mão/ Não era um anjo barroco/ Era um anjo muito louco/ Com asas de avião'.
O anjo torto do tropicalismo levantou voo muito cedo. Mas deixou uma obra muito bonita.
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