Palavras Domesticadas

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sábado, 17 de novembro de 2012

Gilberto Gil Lança Refavela - 1977

Em 1977 Gilberto Gil lançava o disco Refavela, um trabalho que reafirmava sua negritude, e buscava uma aproximação com o movimento Black Rio, muito em voga na época. Os setores mais conservadores da crítica não viam com muitos bons olhos o movimento, por trazer elementos da música black americana, e isso gerava críticas a quem buscasse essa aproximação. Caetano, com o disco Bicho, e agora Gil, com Refavela desafiavam a crítica radical, e lançavam discos com muito suíngue e balanço, com um pé na black music. As suas raízes negras se afloraram numa recente viagem de Gil e Caetano à Nigéria, para um festival de arte negra. O jornal Hit Pop trazia uma matéria com Gil, falando do lançamento de Refavela:
"Ano pasado foi Refazenda, agora é a vez de Refavela - um novo disco, uma nova e gratificante surpresa musical do irrequieto Gilberto Gil. Com o cabelo enrolado em trancinhas, um gorro de lã enfiado na cabeça, Gil vai falando mansinho, alimentando com malícia a polêmica que seu trabalho tradicionalmente deflagra. Agora a questão é basicamente esta: afinal, qual é a ligação do Gil/Refavela com o movimento Black Rio? E a resposta é ambígua e imprecisa, como convém: 'Pode até me chamar de incentivador do movimento Black Rio, que também pode ser Black Portinho ou Black Belô... Gosto da palavra black e acho que  o  movimento não existe. Mas não sou contra, porque não posso combater as coisas espontaneamente bonitas...'

Na verdade, Gil anda meio grilado com a interpretação que as pessoas têm dado às suas últimas declarações. Por isso prefere falar de uma vivência menos recente, mas muito intensa e marcante em todo o seu trabalho: a viagem que fez à Nigéria no começo deste ano para participar de um festival de arte negra. Antes mesmo de atravessar o oceano, ele já estava curtindo a viagem como uma espécie de volta às raízes. E foi assim que nasceu a canção Babá Alapalá, que está em Refavela, e é um estudo sobre a encestralidade negra.
Mas foi realmente lá, na Nigéria, que ele viveu com intensidade absoluta essa consciência de negritude. 'De repente', diz, 'eu estava numa terra só de negros, onde não há essa relação do negro sempre em função do branco. Uma relação em que o negro está em nível inferior, vem de uma condição de escravo... Lá, eu realmente me senti em casa'. Tanto que um dia, ao sair de um teatro, à tarde, depois de viver uma série de experiências culturais com várias comunidades africanas presentes ao festival, Gil viveu uma experiência muito bonita: 'Eu saí sozinho,  assim, caminhando por uma calçada para tomar um ônibus, e de repente, sem nem sentir direito, comecei a saltitar e a rir de felicidade. Foi uma coisa espontânea, maravilhosa, eu estava muito feliz por estar num lugar onde o negro vive em plenitude, onde todas as pessoas são negras como eu...'.
A essa constatação, juntou-se outra: 'Na verdade, há muita semelhança entre Lagos (capital da Nigéria) e as cidades brasileiras. Principalmente, com as capitais nordestinas, pois a maioria dos escravos que vieram para o Brasil pertenciam à cultura yorubá, a mesma que predomina na Nigéria. 'Então', diz Gil, 'do ponto de vista da dança, da música, dos costumes mais imediatos, do próprio andar das pessoas, tudo é muito Rio, muito Bahia, muito Recife'.


Refavela: revela, fala, vê
 Segundo Gil, na África a moçada das cidades transa os mesmos lances que os blacks do do Rio: 'Então eu não sei se é bom ou se é ruim. Mas acho bonito. Não sei se é prejudicial à tomada de consciência do negro como classe. Mas eu sou apenas um artista. Sei que existe o problema social, o problema econômico, o problema político, e que isso é relevante. Mas, a obrigação da gente, como artista, é mais com relação ao poético, às cores das coisas. E as cores dessa coisa black são bonitas.'"
Na capa interna do disco, Gil resume o conceito do disco;
"refavela, como refazenda, um signo poético.
refavela, arte popular sob os trópicos de câncer e de capricórnio.
refavela, vila/abrigo das migrações forçadas pela caravela.
refavela, etnias em rotação na velocidade da cidade/nação.
não o jeca mas o zeca total.
refavela, aldeia de cantores, músicos e dançarinos pretos, brancos e mestiços, o povo chocolate e mel
refavela, a fraqueza do poeta; o que ele revela, o que ele fala, o que ele vê."

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