Palavras Domesticadas

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terça-feira, 29 de março de 2011

Ana Cristina César


Ana Cristina César era um dos nomes mais representativos de uma nova poesia que se estava produzindo no Brasil a partir dos anos 70, e se afirmando na década seguinte. Foi, segundo Eucanaã Ferraz, “personagem fundamental no ambiente artístico e cultural do Rio de Janeiro nos anos 1970.” Segundo Heloisa Buarque de Hollanda, doutora em Letras pela UFRJ, “no meio dos poetas marginais era e se comportava como musa, um pouco distante como devem ser a musas.” Por uma dessas coisas que não têm explicações – e para que buscá-las?, - Cristina resolveu antecipar sua partida desse mundo em 1983, aos 30 anos.

Em 1987, ao ser lançado seu livro póstumo A Seus Pés, o poeta e amigo Armando Freitas Filho escreveu esse texto, sobre a obra e a autora e amiga:
“Olhos azuis, a flor da pele. A Teus Pés (Ana Cristina César) foi escrito na rua e pelo telefone. Num caderno preto, pautado, de capa dura, desses que antigamente, eram usados por pequenas firmas para registro, sempre caligráfico, de suas atividades, do seu 'dever & haver'. Foi escrito com canetas de vários tipos e cores, como se, inconscientemente se desejasse sublinhar e fixar as muitas intenções e nuances, a pegada mais forte ou mais suave de cada texto.
Seu primeiro nome foi “Meios de Transporte”, logo abandonado por ter um segundo sentido demasiadamente explícito. A escolha definitiva me foi comunicada num telefonema extra, de tarde, pois nos falávamos diariamente pela manhã, quando Ana me disse que tinha achado o título, afinal, num poema meu, no último verso.
À princípio achei meio bolero, mas depois fui me acostumando, na medida em que acompanhava literalmente, passo a passo, a feitura do livro. Na época escrevia também o meu, que se chamava “3X4”. Esses 'telefonemas de consulta' eram discussões pormenorizadas sobre os escritos de cada um, quando tudo era visto sem nenhum rigor fetichizado, de colarinho branco, mas sim meio na contramão, a la diable.

Hoje, quando me lembro desse tempo, não poderia dizer, com exatidão, quem telefonava pra quem. Ora um, ora outro. Ou o telefone tocava sozinho numa ligação telepática?
A Teus Pés, também, foi escrito andando, ao meu lado, pelas ruas do Rio, viajando em 'frescões' ou sentado em mesas de chá transitórias. Foi, aliás, na Confeitaria Colombo que ela me levou a versão final, impecavelmente datilografada em máquina elétrica, às vésperas de enviar os originais para a Brasiliense. Sugeri cortes, supressões de alguns textos. Foram aceitos depressa. Fiquei arrependido, liguei à noite e disse que era melhor considerar com mais calma a eliminação deles. Ela disse não. Os originais já tinham sido remetidos. Dois anos depois penitenciei-me incluindo muitos desses poemas em 'Inéditos e Dispersos' (Ana Cristina César).
Agora estou aqui recordando esses pequenos acontecimentos, publicando intimidades delicadas, O telefone telepático, na ponta do trampolim, não bate mais. É uma caixa-preta, for ever. Nunca pensei que na minha vida acontecesse uma coisa tão forte, tão brusca e selvagem, e que uma ausência pudesse ser tão viva.”

2 comentários:

  1. Emocionante demais... saudade da juventude talentosa e almada que parece estar perdida... parabéns pelo post... Mônica

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  2. acho que me perdi na volta pra casa ontem ao ler sobre a ana.me senti confuso e intensamente morto,n sei se consigo expressar o que senti,so sei que me apaixonei por ela,me sinto bem em saber que outras pessoas tbm a conheçem e a amam,merci.

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