Palavras Domesticadas

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

De Segunda a Um Ano - John Cage



Um livro dos mais interessantes que possuo é De Segunda A Um Ano, reunindo trechos de conferências e escritos em geral de John Cage, que era conhecido como um músico não-músico, que usava diversas formas de ruído para formar mosaicos sonoros, incluindo o próprio silêncio como uma forma não convencional de se fazer música. Se não me engano, ele andou pelo Brasil fazendo seus experimentos sonoros, lá pela década de 80 talvez. Cage ficou conhecido pelo uso fora dos padrões de instrumentos musicais e por seu pioneirismo na música eletrônica. Influenciou muitos artistas, e integrou o movimento Fluxus, que abrigava artistas plásticos e músicos. Também escrevia textos em forma de poemas, e tinha por hobby colecionar e pesquisar cogumelos, e era um grande conhecedor da espécie. No livro, que tem tradução do maestro tropicalista Rogério Duprat, com revisão de Augusto de Campos, ele faz vários relatos sobre sua busca por diferentes espécies de cogumelos. John Cage morreu pouco antes de completar 80 anos, em 1992. Eis alguns trechos de seu livro:
“Invada áreas onde nada é definido (áreas micro e macro adjacentes à que conhecemos agora). Não vai soar como música – serial ou eletrônica. Vai soar como o que ouvimos quando não estamos ouvindo música, só ouvindo qualquer coisa em qualquer lugar que estejamos. Mas para conseguirmos isso, nossos meios tecnológicos têm de estar em constante mudança.”
“Quando Colin McPhee descobriu que me interessava por cogumelos, disse: “Se você encontrar algum morel (tipo de cogumelo) na próxima primavera, chame-me mesmo se for um só. Vou largar tudo, sair e cozinhar”. Veio a primavera. Encontrei dois moréis. Chamei Colin McPhee. Ele disse: “Você não pretende que eu faça todo esse caminho por causa de dois pequenos cogumelos, pretende?”
“Em Darmstadt, quando eu estava envolvido com música, estava nos bosques procurando cogumelos. Um dia, quando colhia alguns Hypholomas que tinham crescido num toco perto da sala de concertos, uma senhora, secretária dos Ferienkurse für Neue Musik, chegou-se e disse:”Afinal a Natureza é melhor do que a arte.”
“Uma vez tive um emprego de lavador de pratos no Salão de Chá Pássaro Azul, em Carmel, Califórnia. Trabalhava doze horas por dia na cozinha. Eu lavava todos os pratos, travessas e panelas, esfregava o chão, lavava as verduras, maços de espinafre, por exemplo; e se a proprietária chegasse e me encontrasse descansando, me mandava pro fundo do quintal rachar lenha. Ela me pagava um dólar por dia. Um dia, soube que um famoso concertista de piano vinha à cidade dar um recital e decidi terminar meu trabalho o mais depressa possível, para assistir ao concerto sem perder muito. Assim fiz. Por acaso, meu lugar era junto ao da tal senhora que era dona do Salão de Chá Pássaro Azul, minha patroa. Eu disse: “Boa noite”. Ela olhou pro outro lado, cochichou com sua filha. Levantaram-se e deixaram o teatro.”
“Uma noite, quando eu ainda morava na esquina de Grand Street e Monroe, Isamu Noguchi foi me visitar. Não havia nada na sala (nem móveis, nem pinturas). O chão estava coberto com uma esteira de cacaueiro. As janelas não tinham nem ferro nem cortina. Isamu Noguchi disse: “Um sapato velho ficava lindo nessa sala.”

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