Palavras Domesticadas

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sábado, 27 de julho de 2013

Leno - Vida e Obra de Johnny McCartney

No início da década de 70 Raul Seixas trabalhava como produtor na gravadora CBS. Ele produzia cantores populares, e eventualmente fornecia algumas composições suas para esses artistas. Porém Raul sentia a necessidade de ser um pouco mais ousado, e produzir algo menos comercial. O disco "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez", que ele gravou ao lado de Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada é um exemplo da tentativa de Raul de tomar outro rumo, inclusive como artista e não somente como produtor. Uma outra tentativa, que acabou sendo frustrada pelo veto da gravadora em lançar o trabalho, foi um disco produzido para o cantor Leno, que se chamaria "Vida e Obra de Johnny McCartney". O disco foi gravado entre novembro de 1970 e janeiro de 1971, e ficou esquecido durante anos no depósito da gravadora, até a fita master ser encontrada em 1994, e finalmente lançado no ano seguinte.
Em 1996 eu estava no Rio, e andando por Copacabana entrei em uma pequena loja de cds que também era locadora, e encontrei esse cd em uma banca de promoção por um preço incrivelmente barato, e pude tomar contato com essa grande obra.
Em uma edição especial da revista Bizz, dedicada a Raul Seixas, o crítico e pesquisador Ayrton Mugnani Jr escreveu sobre o lançamento:
"O título do disco é uma óbvia alusão aos Beatles, que haviam se separado oficialmente em abril de 1970. Eles não são a única influência: podemos ainda detectar o hard-rock do grupo inglês Free (Porque Não), Bob Dylan (Sr. Imposto de Renda) e rockabilly (Não Há Lei em Grilo City). Além de Leno e Raul, os compositores desse disco incluem Marcos e Paulo Sérgio Valle (Pobre do Rei), Arnaldo Brandão (Peguei Uma Apollo) e Ian Guest (Contatos Urbanos)
A faixa "Sentado no Arco-Iris" traz a primeira letra politizada que Raul fez. 'Eu me lembro dele dizendo que se orgulhava daquela letra', recorda Leno. 'Os versos falavam de reforma agrária, antecipavam até a existência do Movimento dos Sem-Terra.' Aliás, o disco todo é importante na carreira de Raul: 'Foi com Johnny McCartney que ele fez a transição de Raulzito para Raul Seixas, assinou a produção como 'Raulzito Seixas'. Usou o LP como caldeirão de experiências'. Temos ainda outras raízes do que se tornaria Raul. A melodia de 'Convite Para Ângela' seria reaproveitada em 'Sapato 36', o mesmo ocorrendo com 'Sheila', sucesso de Renato e Seus Blue Caps, inspirada em 'Bis'.
Raul Seixas e Leno em foto da contracapa do cd
Uma frase desta última, 'bisa comigo', pode ter sido um dos motivos que levaram a censura a vetar metade das faixas do disco. Outras foram consideradas anti-comerciais e portanto inviáveis pela gravadora. Tudo que sobrou foram quatro faixas, 'Johnny McCartney', 'Peguei Uma Apollo', 'Lady Baby' e 'Convite Para Ângela', lançadas num compacto duplo. Saindo da CBS em fins dos anos 70, Leno foi informado de que as fitas originais do LP haviam sido apagadas - só que em 1994 o jornalista e pesquisador Marcelo Fróes descobriu algo bem diferente. Ao examinar os arquivos da gravadora, deparou-se com duas fitas de rolo em cujas embalagens, uma vez removida a poeira, pôde-se ler o nome do artista e os títulos das faixas, das quais Marcelo nunca tinha ouvido falar. As fitas foram então remixadas digitalmente e o disco lançado em CD pelo próprio Leno em seu selo, o Natal Records.
Leno, que hoje trabalha em seu selo, tem justo orgulho desse disco até hoje. 'Eu queria fazer rock, uma coisa mais contestadora, queria desabafar.' Leno fez esse relançamento em pequena escala, nem chegou a mandar cópias para as rádios. 'Na época o disco foi censurado pela ditadura militar e, quando consegui lançá-lo, foi censurado pela ditadura do jabá. A programação das rádios está mais burra que há trinta anos, há liberdade política, mas existe censura na mídia. Sei que se o Raul estivesse vivo haveria de concordar.' Em função disso, Vida e Obra de Johnny McCartney segue sendo um disco praticamente inédito."

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