Palavras Domesticadas

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sábado, 9 de fevereiro de 2013

Revista Os Anos 70 da MPB

A Editora Imprima era especializada em revistas sobre música, dando uma ênfase às cifras de violão. A partir de meados dos anos 70, e até os anos 80, a editora publicou algumas revistas, sendo a principal, a revista Música, publicava também algumas edições especiais, abrangendo um determinado tema. Em 1980 um número especial foi lançado, fazendo uma espécie de inventário sobre a MPB nos anos 70, a década que terminava, trazendo uma série de inovações no cenário de nossa música. O texto introdutório diz:
"Neste início de década, os órgãos de comunicação fazem uma retrospectiva de tudo que aconteceu nos anos 70, pois é conhecendo o passado que esclarecemos o presente. Aliás, tudo que já foi iniciado e o que será intimamente ligado às experiências anteriores. Sendo assim a revista Música não poderia deixar de registrar os maiores acontecimentos musicais da década de 70. Pretendemos não só informar, mas também levá-lo à compreensão dos movimentos que agitaram nossa música nessas últimos 10 anos, e da influência que esses movimentos exercerão no futuro."
A revista traz ainda um texto escrito pela jornalista Sheila Hissa, intitulado "Dez anos depois - um saldo positivo":
"A MPB conseguiu, nos anos 70, reafirmar nomes, revelar talentos e trazer ao público antigos intépretes e compositores. Sem dúvida, foi uma década muito produtiva. Os remanescentes dos Festivais da Record até hoje estão brilhando. Elis, mais amadurecida, continua conquistando sucessos. Bethânia, nem se fala. É uma das mais vendáveis. Jorge Ben, Gal e inúmeros outros estão sólidos no seu canto. Nem Gil, Caetano e Chico, que precisaram se ausentar do país, no início da década, por motivos políticos, deixaram de acontecer. Muito pelo contrário, são uns dos mais representativos intérpretes/compositores do nosso cancioneiro.
Chico, pela coerência de seu trabalho, alcança ano a ano uma posição privilegiada. Suas músicas de conotação social e política e sua linguagem criativa estão presentes nas discotecas das mais diferentes classes sociais. Ele é um dos raros artistas, que consegue atingir da alta burguesia ao proletariado. O alto nível literário de suas canções não o afasta do público menos letrado. Na verdade, o apelo para o cotidiano, seja numa canção denúnica como 'Construção', ou numa música romântica como 'O Meu Amor', vai ao encontro das expecativas de cada um. A identificação com  suas palavras é imediatata.
Chico é um artista de outras artes. sua atuação no teatro, cinema e literatura é extremamente significativa e fecha todo um trabalho em torno das ideias que defende. Chico já ficou pra história e sua obra sempre vencerá o tempo.
Caetano e Gil também possuem um papel de destaque de nossa MPB. Ao contrário de Chico, já foram acusados de incoerentes e alienados. A imprensa e os 'intelectuais' do Brasil afirmam que eles abandonaram o posto das preocupações sociais para integrar o universo do oba-oba geral. De 'Domingo no Parque' a 'Realce', de 'Alegria Alegria' a 'Joia' muita coisa aconteceu. O trabalho de hoje, não é exatamente uma continuidade do trabalho anterior, mas uma consequência. As experiências de cada um, as transformações sociais e políticas e, acima de tudo a capacidade criativa e até revolucionária, fizeram dos baianos os porta-vozes da descontração e da cor. Os 'intelectuais' não aceitam. Preferem o protesto.
Mas quem são eles? Gil e Caetano não são inconsequentes, como se faz pensar.. São, na realidade, artistas conscientes da necessidade de abrir caminhos e descobrir lugares. A postura é apolítica, pois não é reivindicatória. Mas é política, na medida que se propõe a liberdade de pensamento e de comportamento. Os baianos possuem uma linguagem própria, que foge às normas pré-estabelecidas. Uma linguagem que avança para a liberdade individual.
O trabalho artístico, quando sério, é sempre carregado de intenções e propostas e na nossa música popular, não são poucos os que procuram novas formas e defendem novas ideias. Milton Nascimeto, também compositor das coisas do Brasil e América Latina, é acima de tudo um músico de rara competência. A sofisticação das melodias, a voz negra, forte, doída e alegre tornam Milton um dos intérpretes mais conceituados do mundo.
Nossa música, sem dúvida, está bem defendida. Na década de 70 os consagrados João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, claro, continuam em evidência. Os talentos esquecidos de Clementina de Jesus e Cartola, para não citar outros, surgem do anonimato e encantam o público. Sem falar naqueles que morreram e foram ressuscitados. Como Lupiscínio Rodrigues, que Bethânia tem interpretado com êxito, e Pixinguinha, que através do 'renascimento' do choro, passou a ser executado.
Ainda nos anos 70, os novos. O trabalho discursivo de Belchior, com as estórias da juventude 60. O saudosismo das ideias e comportamentos de então, as melodias leves. Já Fagner, mais corrosivo. As canções duras, tão agrestes quanto o sertão cearense.
E daí vai. Quanto nome! João Bosco, Simone, Ivan Lins, Zé Ramalho, Rita Lee, Francis Hime, Gonzaguinha, Zezé Motta e outros. Muitos outros. Cada um contribuindo à sua maneira. Gonzaguinha, por exemplo, mais lado a lado com a realidade brasileira. Com  a fome e a esperança. Rita Lee, que vem da década de 60, com seu rock descontraído e apelos debochados, que agradam os adeptos da libertação do corpo e da cabeça.
Cada um no seu canto, cumpre a parte que lhe cabe. Rock, bolero, bossa-nova, samba-canção, partido alto, são algumas das tendências que fazem nossa música."

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