Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Assassinato de Glauber Rocha

Em agosto de 1981 o Brasil perdia Glauber Rocha, vítima de pneumonia em um hospital de Portugal. Na época a extinta revista Careta fez uma ampla reportagem sobre o acontecido. O jornalista Tarso de Castro era amigo pessoal de Glauber, por isso a revista foi quase toda dedicada a ele. A chamada de capa, destacada ao lado, trazia como título O Assassinato de Glauber Rocha.
Abaixo o texto emocionado do jornalista falando do amigo:

"É muito estranho escrever sobre a morte de Glauber Rocha. É muito estranho escrever sobre a morte de um amigo. Portanto, é difícil começar esse artigo. Difícil e fácil porque, na verdade, nada está morto em Glauber - o que está morto é um pedaço do Brasil; morto Glauber, assassinado, morreu de todos nós um pouco. Que se fodam os respeitáveis, os do poder; ele foi tão grande que nenhum deles poderia engraxar-lhe os sapatos.
Eu queria dizer-lhes o seguinte: vocês nunca foram nada, não são nada, nunca serão nada. Nem deixarão nada, nada parecido com o que ele deixou.
Morremos de rir de vocês.
Ele foi envenenado pelo colonialismo português. Explico: deixaram-lhe bacilos e germes a invadir-lhe o sangue. Morto pelo Hospital CUF de Portugal.
Se estou louco?
Estou. De dor. De dor pelo assassinato de Glauber e pelo nosso próprio assassinato. Pobre de um país que já se chamou Brasil e que não consegue absorver seu melhor filho. Que foi a luz mais luminosa de uma possível manhã que é turvada pela nuvem de dezoito anos, nojenta nuvem que não o tolerou quando ele - que sempre foi o maior, melhor, mais digno - ofereceu-lhe tolerância, contra tudo e contra todos. Deus, quantos criticaram Glauber. E, depois, qual deles soube morrer, pagar até o fim?
À merda a farda de Zé Celso Martinez Correa e seus asseclas. À merda os salvadores da pátria que a tranformaram em palavra iniciada em letra minúscula. Glauber deu-lhes a última chance de se perfilar dignamente: foi quando passou deitado e sorrindo em seu caixão."

Na revista, acima desse artigo havia uma cópia da certidão de óbito de Glauber, e o texto termina assim:
"Acima está o certificado de óbito. Falta a verdadeira Causa Mortis. Se chama Brasil."

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