quinta-feira, 12 de agosto de 2021
Paul McCartney Reformula o Wings (Revista Pop - 1975)
Em 1975 a carreira de Paul McCartney, que havia formado a banda de apoio Wings, atravessava uma ótima fase. Dos quatro Beatles, Paul é o que havia alcançado o maior sucesso. Naquele período ele resolveu reformular a banda, e concedeu uma entrevista publicada na revista Pop nº 28. Nela Paul falou de seus planos, e não deixou de dar uma alfinetada em seu antigo parceiro John Lennon, dizendo que seus rocks eram melhores que os de Lennon. Os dois na ocasião ainda viviam se provocando, em virtude de desentendimentos após o fim dos Beatles. Como destaque na matéria a frase: "Gosto de música romântica, mas também me ligo no rock bravo". Abaixo a matéria:
"Seu último LP, Band On The Run, lançado há quase um ano, continua quebrando recordes de vendas no mundo inteiro. E permanece nas paradas de sucesso desde o lançamento. Seu grupo Wings, depopis de uma crise (em que desertaram o guitarrista Henry McCullough e o baterista Denny Seiwell), entra em 75 com dois novos caras (Jimmy McCulough na guitarra e Jeff Britton na bateria) e muita vontade de sair para a estrada. E Paul McCartney, talvez o mais combatido dos ex-Beatles, não consegue atender a todos os pedidos de músicas feitos por cantores de muito prestígio. Há pouco tempo, atendendo a um pedido de Rod Stewart, escreveu Mine For Me. Rod gravou-a com os Faces e a música fez sucesso imediatamente. Paul nem se abalou com isso. E sequer lembra quando fez a música: 'Talvez seja apenas resultado de uma boa noite de bebedeira... Mas é bom escrever para um cara como Rod - ele consegue uma voz tão diferente' A gente chega a ouvi-lo cantando enquanto compõe a música. Mas há uns caras tão chatos... A gente acaba fazendo musiquinhas chatas para eles'.
Aliás, é por causa dessas 'musiquinhas chatas' e arrastadas que muita gente falou que Paul não é um bom rockeiro. Para isso, ele tem uma resposta: 'Tenho me esforçado em provar que sei fazer rock. Confesso que gosto de baladas, de qualquer coisa romântica, desde que não seja sentimentaloide. E isso me deixou algum tempo abatido, porque diziam que eu era um tremendo careta. Não era muita gente, era John Lennon especificamente, quem dizia isso. Então eu pensava: Quem é ele para ficar me gozando? Eu posso fazer rocks melhores do que ele fazia na sua melhor fase" Foi assim que comecei a fazer bons rocks...'
E a verdade é que os rocks de Paul saíram cheios de balanço e força, e começaram a fazer sucesso. Sua última gravação, Junior's Farm, já com o novo Wings, é um rock alegre, balançado e bom pra dançar. Outro grilo que às vezes incomoda a tranquilidade a a aparente segurança de Paul é com relação a sua mulher Linda. Ex-groupie e fotógrafa apaixonada por conjuntos de rock, ela se esforça por brilhar no cenário da música pop. E muita gente diz que ela só está no conjunto porque é a mulher de Paul - não porque tenha algum talento artístico. Parecendo indiferente a essas acusações, Linda estuda piano, canto e composição. E todos os críticos concordam que ela melhorou muito desde suas primeiras apresentações com os Wings. Mas, para quem ainda duvida do seu talento, também tem uma resposta preparada: 'Estou gravando um disco só de músicas minhas, com os Wings. Mas, para não misturar com o trabalho que desenvolvemos com Paul, adotamos o pseudônimo de Suzie and the Red Stripes. Já temos quatro faixas gravadas. Uma delas é Oriental Nightfish, música que eu fiz em Lagos, na Nigéria. Uma noite dessas, Patty (a ex-mulher de George Harrison) foi à nossa casa e eu toquei esta música para ela ao piano. Ela simplesmente chorou de emoção. Foi lindo"' "
sexta-feira, 16 de julho de 2021
A Balada de Janis Joplin
Num livreto vendido em bancas, chamado Histórias do Rock, em que quatro autores falam sobre diferentes experiências pessoais e histórias envolvendo o rock, um dos textos, escrito por René Ferri, fala de Janis Joplin. Nele o autor relata sua experiência com a música de Janis Joplin, e fala inclusive da lembrança que ele guarda do dia em que Janis morreu. Daí o subtítulo do texto: “Onde Você Estava em 4 de Outubro de 1970?”
“Há 15 anos mais ou menos escrevi um texto curto sobre Janis Joplin que deveria ser publicado num fanzine ou algo parecido. Prevendo que um dia voltaria ao tema, guardei o texto que reproduzo a seguir, tal e qual foi escrito.
‘Quando Janis surgiu, logo fiquei sabendo quem ela era. Ou melhor, o que a imprensa e a Columbia queriam que, todos pensassem o que ela era. Esperei com ansiedade ouvir seu disco e quando ouvi (Cheap Thrills, cópia americana), tive uma grande decepção! Ela não foi nada, exceto uma caricatura grotesca de cantora negra. Ao vivo, pelo que vi nos filmes e fotos era sensacional, eletrizante, a imagem era perfeita. Mas a voz, o feeling eram um zero. Se Janis tivesse a pele negra, estaria no máximo, cantando nos bares de Port Arthur até hoje. Mas era branca e um dia sonhou que podia cantar como Aretha Franklin e o mundo todo sonhou com ela. Não duvidei de sua sinceridade, Janis foi honesta consigo mesma até o fim, ela mesma não se sentia realizada como cantora, apesar de toda aquela adoração, nunca compreendeu o próprio sucesso. Quem sabe se não foi isso que a matou?
Nada como o tempo para pôr as coisas no lugar? Vamos encarar os fatos por esse ângulo: - nós quisemos forçar uma revolução esquecendo que, a vontade pelas mudanças tem que vir naturalmente do desejo de todos – quebramos a cara, claro e terminamos traídos pelos nossos pares também. Os ‘artistas de rock’ que pela nossa ótica ingênua eram incorruptíveis, foram os primeiros a nos dar o bolo e passar para o ‘outro lado’, de Mercedez Benz, casaco de peles e tudo, como Janis Joplin, por exemplo... Outro profeta de revolução, Jerry Garcia, do Grateful Dead, hoje é dono de uma das maiores fortunas pessoais dos EUA. Claro, que quando escrevi o textículo (jargão em jornalismo para texto curto) sobre Janis, eu ainda estava roído pelo ressentimento, mas a minha verdade estava lá. Quando ouvi Cheap Thrills fiquei mesmo decepcionado. As revistas falavam maravilhas sobre a moça – até a Playboy: que antes de virar o açougue que é hoje; não era tão careta assim, elogiou Janis, deu espaço para ela falar de si mesma... e da banda Big Brother & Holding Company e ela comunicava, sem meias palavras, que estava abandonando os caras: ‘... preciso de espaço, novas direções and all that shit’. Achei o máximo, era como se (na época) Mick Jagger chutasse os Stones! Fiquei ainda mais aceso para ouvir Cheap Thrills, mas toda a ansiedade se diluiu na primeira ouvida na primeira ouvida, foi uma broxada daquelas! Tinha na época (1968) dois ou três LPs de Aretha Franklin e pensava saber tudo de música. Só depois, muito depois, vim saber e compreender que Janis se ligava mesmo no folk blues de Odetta e no blues tradicional de Bessie Smith e Billie Holyday e mais tarde ainda, que pegou o jeito ‘machona’ de se movimentar no palco de Willie ‘Big Mamma’ Thorton. Hoje tenho certeza que Aretha era apenas uma referência para Janis, alguém que admirava, certamente, mas que nem pensava em imitar.
Também compartilhava da opinião distorcida que Janis se aproveitava dos pretos, sem a menor cerimônia, como era comum nos anos 50, quando um Elvis ou um Pat Boone pegava um disco negro, copiava dando uma ambranquecida e ganhava um rio de dinheiro,enquanto que o coitado da gravação original recebia uns níqueis. Esse estereótipo odioso nos foi vendido durante anos e não é, nem nunca foi bem assim. Quando Janis, amada por milhões de jovens brancos dizia: ‘Oh, Otis (Redding)... my man!...’ naquela sociedade ferozmente racista, ela fazia mais pela comunidade negra que uma dúzia de passeatas e outros tantos discursos de Eldridge Cleaver.
O Big Brother & Holding Company era bagunçado, caótico, mas funcionava, tinha (pelo menos na fase com Janis) uma ‘pegada’ que é raro de se ouvir. Cheap Thrills com todos os seus defeitos, é um clássico, já que os discos posteriores de Janis com a Kosmic Blues Band e a Full Tilt Boogie Band são polidos demais para uma cantora como ela, forjada em botecos, perdendo muito da espontaneidade que sobra em Cheap Thrills.
Pelos dados biográficos, bastante explorados de forma até sensacionalista, Janis foi uma garota com sérios problemas, se sentindo ‘feia’ e ‘rejeitada’ na adolescência, foi crescer agressiva, com desprezo pelas pessoas ‘normais’; acabou achando sua turma depois que deixou a conservadora Port Arthur, Texas, sua terra natal (nasceu em 10/01/43) trocando-a pela liberal San Francisco na Califórnia, onde tudo acontecia e onde mergulhou prazerosamente na contracultura da literatura, das comunidades hippies e das drogas – do ‘inofensivo’ ácido lisérgico à perigosa heroína. Participou ativamente da prática do amor livre, da revolução sexual, deu vazão à sua (possivelmente) reprimida libido homossexual, mais ou menos superou os seus traumas de infância e adolescência infeliz, se entregando totalmente ao delírio do palco. Foi a criança mais passional da sua geração, mas dava muito mais do que recebia do público e chegou num ponto em que não havia mais nada para dar, tinha esprimido tudo que era possível e voltou a se sentir a antiga menina infeliz. Um sintoma desse estado emocional ‘para baixo’ foi a sua cisma com Bessie Smith – Janis foi incapaz de se livrar do fantasma da grande cantora – não que tenha lutado para isso, ao contrário, embatucou com Bessie, pagou uma lápide para o túmulo dela, numa boa ação exageradamente divulgada, parecendo, no final, mais um golpe publicitário que uma ação benemérita, e a toda hora, Janis vinha com a ladainha sobre Bessie: - a bendita lápide, sua condição de alma triste e explorada 'pelos brancos’ etc., numa fixação mais do que mórbida.
O filme ‘Janis’, que é um excelente documentário, mostra essa fase ‘terminal’ da cantora, um jeito de abandono, garrafa de Southern Confort na mão, e o sentimento de profunda angústia e depressão no rosto. Críticas ao seu trabalho e ao seu comportamento partiram de todo lado da imprensa e embora Janis tivesse reações mordazes às críticas, isso tudo a machucava muito. Foram meses de agonia e, pode-se dizer, de auto-destruição, ela largava e retornava o hábito da heroína conforme mudava seu humor. Em setembro de 1970 Janis teve sua primeira overdose, que não a matou por milagre; socorrida a tempo, teve paradas cardíacas seguidas e foi ressuscitada seis vezes, nesta fase sua aventura com a heroína e whisky, em quantidades impossíveis era seu jeito de se recompensar. Em menos de um mês depois da primeira overdose, morreu como ela mesma estava prevendo, pois chega a fazer e refazer seu testamento. Outro acidente com heroína foi fatal, desta vez estava sozinha, e foi fulminante, não houve tempo sequer para se defender na queda, bateu o rosto no chão, achatando o nariz. Morria assim, miseravelmente só, um dos ícones da cultura pop dos anos 60, em 04/10/70.
Lembro que neste dia fui, à noite, ver um show de rock num teatro descolado, que existia na rua Frederico Steidel, no centro de São Paulo – toda semana eram promovidas reuniões de rock no teatro, que sempre lotava. Teatro pequeno, a fumaça era tanta que que todo mundo acabava ficando alto, antes do show começar. Naquele dia lembro que os pequenos cartazes de divulgação do show foram colados nas paredes internas do teatro, formando a palavra JANIS várias vezes, mas ninguém até então sabia o que tinha acontecido. As luzes se apagaram, entrou o primeiro grupo do programa (que nem imagino qual era, mas gostaria de lembrar) e o vocalista deu a notícia mais ou menos assim: ‘Hoje é uma data triste, morreu Janis Joplin’. Não sei porque nenhum de nós, e éramos tantos, esboçou qualquer reação. Acho que não tínhamos então consciência do quanto Janis Joplin representava para todos nós, naquela hora, ou mesmo naquela época. Só fomos perceber e sentir a perda tempos depois, quando pudemos olhar pra trás e avaliar tudo o que foi feito, sonhado, realizado, e também perdido pela nossa geração.
Adeus Janis, a pérola imperfeita que era só nossa, você que tão generosamente continua a nos dar tanto.’ “
quinta-feira, 15 de julho de 2021
Titãs – Pluralidade Monolítica (Revista Qualis- 1993)
Em 1993 os Titãs embarcaram num projeto ousado: lançar um disco pesado, como já era característica da banda, porém numa pegada mais radical, e para tanto foi designado para produzir o novo álbum, Jack Endino, que havia produzido várias bandas grunge, o grande movimento internacional do rock na época. Assim foi concebido Titanomaquia. O disco anterior, Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, havia sido produzido pela própria banda, após uma bem sucedida parceria com Liminha. Para o próximo disco, a banda e os executivos da gravadora optaram por trazer um produtor de peso, e com grande experiência na vertente pesada que a banda queria adotar, e o resultado foi o esperado, um disco com uma pegada potente, em que foram extraídos da banda o peso e o vigor necessários para o projeto. Em sua edição nº13 a revista Qualis trazia uma matéria sobre o novo disco, assinada por Jean-Yves de Neufville:
“Do começo hesitante de ‘Televisão’, em 82, até a consagrtação como melhor grupo brasileiro de pop/rock com ‘Õ Blesq Blom’, em 89, um gráfico biorrítmico da carreira dos Titãs deve revelar uma revolução constante. Mas a partir de 90, a curva transforma-se num eletrocardiograma em disparada, reflexo do polêmico álbum ‘Tudo Ao Mesmo Tempo Agora’, um disco mal e porcamente produzido, de difícil digestão para os seguidores da primeira hora, mas apreciado pelos adeptos do barulho.
Numa guinada radical, os Titãs deixaram o mainstream para assumir de vez sua vocação pelo rock pesado. Abriram mão da pluralidade de estilos e influências, e aderiram a uma leitura monolítica do rock’n roll. ‘Quisemos gravar discos mais condizentes com o que gostamos de tocar no palco’, justificam. ‘Foi uma adequação ao que a gente gosta de fazer, e ao que o nosso público gosta de ouvir’.
O título do novo disco, ‘Titanomaquia’, que costura a mitologia inserida no nome do grupo com a arte da touromaquia, e suas 13 músicas, reforçam a estética ‘animalesca’ que tomou conta da banda. Desfalcado de Arnaldo Antunes, o octeto virou literalmente um bicho de sete cabeças. Mesmo assim, antes de partir para uma carreira solo, Arnaldo deixou três composições, entre as quais ‘Disneylândia’, provavelmente a mais engraçada já cometida até hoje pelos Titãs.
Ao adentrar num mundo musical que privilegia os decibéis, em que as palavras proferidas costumam ser mero instrumento, os Titãs inverteram a equação, construindo suas músicas em torno de suas/letras/poemas peculiares, destinados a produzir mensagens de impacto em torno do comportamento. Além disso, raros são os grupos que, com eles, incluem a escatologia em suas letras, retomando a tradição da sátira, consagrada por poetas como Gregório de Mattos. Viram o mundo às avessas para que as coisas fiquem no seu lugar: ‘Ao potencializar o seu defeito, você se fortalece’, justificam.
Foi exatamente o que fez o produtor Jack Endino. O papa dos grupos ‘grunge’ de Seatlle potencializou os defeitos gritantes dos Titãs, ordenou o caos, conferiu eficiência às músicas e ajudou a resolver a dificuldade número 1: combinar as letras quilométricas com a urgência minimalista dos riffs de guitarra. Embora inclua dois guitarristas, este é o primeiro disco do grupo em que o instrumento é realmente valorizado. ‘Desta vez, acertamos na porrada’, vibram.
Mais uma vez está comprovado que os Titãs são altamente dependentes de um bom produtor. Segundo eles, enquanto o Liminha de ‘Õ Blesq Blom’, louco por tecnologia, interferia no trabalho ao ponto de se tornar mais um integrante da banda, Endino é um especialista que pode até arranhar uma guitarra aqui e lá, mas respeita os limites de sua função.
Fora do estúdio Jack Endino pôde dar mais força aos Titãs. O produtor deixou versões prontas das músicas em inglês. O projeto é gravar um EP (formato reduzido do LP) com três faixas em inglês e duas em português, destinado ao mercado norte-americano. ‘Aceitamos, mas não sabemos que consequência isso pode ter’, explicam. Os cantores da banda reconhecem que dominam mal a língua de Shakerpeare e alegam que o resultado por enquanto é inferior ao original. ‘Precisamos de uma estratégia realista e modesta. Para lançar este disco nos EUA seria preciso fazer uma turnê de no mínimo seis meses, até começarmos a existir no mercado do rock alternativo’, analisam.
No momento, a grande meta dos Titâs é conquistar a Argentina, onde está sendo lançada uma coletânea exclusiva, com músicas cantadas em português mesmo.”
quarta-feira, 14 de julho de 2021
O Acid-Rock do Jefferson Airplane
O Jefferson Airplane foi uma banda americana totalmente identificada com o acid-rock, uma variante do rock surgida na cena hippie e psicodélica de São Francisco, na Califórnia. Pode-se dizer que junto ao Grateful Dead, o Jefferson Airplane seja o maior representante do rock psicodélico americano dos anos 60 e 70. Participou de importantes festivais dos anos 60, como Monterey Pop, em 67, e Woodstock e o mal sucedido Altamond em 69, e tinha na voz e presnça de palco de sua vocalista, Grace Slick, uma de suas mais importantes marcas. Ao longo dos anos, a banda continuou seguindo sua trajetória, após a dissolução de sua formação clássica, mas aquele período marcante dos anos 60 e início dos 70, é que fez do Airplane uma das bandas mais marcantes daquele período do rock.
A série de fascículos que saíram em bancas de jornais nos anos 90, As Feras do Rock, traz um capítulo dedicado ao Jefferson Airplane, que abaixo reproduzo:
“Seguir minunciosamente a saga do Jefferson Airplane, desde a sua formação em 1965, até a sua reaparição no final dos anos 80, é um complicado trabalho, já que somente a enumeração de todos os integrantes que passaram pelas diversas formações do grupo, ocuparia várias páginas deste texto. Integrado plenamente à corrente psicodélica dos anos sessenta, o Jefferson Airplane se destacou entre os grupos da época por sua formidável combinação de talentos individuais, que enriqueciam e diversificavam o som do grupo. Marty Balin, o principal impulsor da banda, conseguiu divulgar rapidamente o nome do The Jefferson Airplane entre os espectadores do Filmore Auditorium de São Francisco. Seu primeiro disco, Takes Off (1966), foi um sucesso relativo, que entre outras coisas, serviu para que a vocalista Signe Anderson fosse substituída por Grace Slick. Esta, além de contribuir com a sua notável voz, deu ao grupo duas músicas que faziam parte do repertório da banda com a qual cantava anteriormente, ‘White Rabbit’ e ‘Somebody To Love’. A combinação do universo surrealista de Lewis Carrol com a visão alucinógena de Timothy Leary, perfeitamente conciliados em ‘White Rabbit’, passou a ser uma das principais características da banda, e o álbum Surrealistic Pillow (1967), que continha esta música, foi o empurrão decisivo para a banda.
A apresentação do Jefferson Airplane no festival de Monterey, em 1967, o lançamento dos discos After Bathing At Baxters (1967) e Crown Of Creation (1968) consolidaram a reputação do grupo, que atingiu o auge com o potente álbum ao vivo Bless Its Pointed Little Head (1969) e com a participação da banda em outro acontecimento histórico da década, o festival de Woodstock.
Infelizmente, um triste incidente ocorrido em Altamont naquele mesmo ano – um grupo dos Hell’s Angels assassinou um espectador e agrediu Marty Balin – marcou o início do processo de desintegração do Jefferson Airplane. Dryden e Balin resolveram abandonar a banda, enquanto Casady e Kaulen iniciaram um projeto paralelo ao seu trabalho com o grupo, com o nome de Hot Tuna.
Nem Bark (1971), nem Long John Silver (1972) ou ainda o álbum ao vivo Thirty Seconds Over Winterland (1973), chegaram ao mesmo nível dos anteriores discos do Jefferson Airplane, que desapareceu por um longo período para ressurgir com novas energias quase duas décadas depois, com 2400 Fulton Street (1989), embora esse renascer não tenha sido acompanhado por muita gente.
Por outro lado, Paul Kantner, um fanático por histórias de ficção científica, quando intuiu que o aeroplano começava a perder altura, criou a sua própria nave espacial, disposta a alcançar fronteiras inimagináveis. O primeiro teste de lançamento não podia ter sido mais promissor, pois Blows Against The Empire (1970) – assinado por Paul Kantner & The Jefferson Starship – não apenas se aventurou em temas conceituais, como também conseguiu uma nomeação para o famoso prêmio Hugo de ficção científica! Após oficializada a ruptura do Jefferson Airplane, Kantner continuou no comando do seu mutável grupo – Starship, Jefferson Starship, Starship Jefferson, KBC Band -, gravando discos bastante ambiciosos e cada vez menos interessantes: Dragon Fly (1974), Red Octopus (1975), Earth (1978), Freedom At Point Zero (1979), No Protection (1987) e Love Among The Cannibals (1989).”
terça-feira, 13 de julho de 2021
Lou Reed - Da Barra Pesada À Paz Doméstica (Revista Rock Stars - 1983)
Lou Reed foi um artista cuja imagem era associada a um mundo obscuro e barra-pesada. Uma espécie de poeta maldito que retratava em suas letras um submundo onde se encontrava uma camada marginalizada da sociedade americana. Sua imagem artística foi forjada nesse segmento, e Lou lançou vários ótimos discos, desde sua saída do Velvet Underground, uma banda também com fama de maldita, mas que é reconhecida e cultuada até hoje. Mas, enfim, Lou Reed deixou uma marca bem pessoal no panorama do rock. Em sua edição de estreia em 1983, a revista Rock Stars traçava um perfil de Lou Reed, e contava um pouco de sua trajetória:
“ ‘ Os críticos e as pessoas em geral pensam que eu sou os personagens que eu invento. Eu pessoalmente não acho isso ruim, mas eles estão redondamente enganados. Tudo o que eu faço é observar as coisas, as ruas. Observar nada, eu roubo mesmo. Eu roubo qualquer fato, qualquer ideia, qualquer canção que eu acho boa. O verdadeiro Lou Reed é uma pessoa que cuida da saúde, que conversa sobre negócios e sabe exatamente quanto ganha.’
Em meados da década passada, todo mundo achou que Lou Reed estava apenas querendo embaralhar os conceitos sobre ele, propondo outra imagem, contraditória com as anteriores. Hoje estas declarações soam mais verdadeiras, quando The Blue Mask e Legendary Hearts mostram o ex-príncipe das trevas calmamente recolhido à paz doméstica. Antigos fãs sentem-se traídos.
Vai aí certa dose de exagero, assim como exagerada era a idolatria que o Lou Reed ‘maldito’ provocava. Filho de um próspero advogado, Lou Reed se debruçou sobre o subterrâneo depois de ler autores como Rimbaud, Baudelaire, Genet, Kerouac. Foi aos quarteirões do meretrício observar a decadência, ‘as figuras, as bonecas’. E daí emergiu como um cronista da barra pesada, com poesias e letras de músicas sobre drogas e drogados, assassinatos, paranoias, taras. O poeta não vingou, o letrista sim.
Como acontece sempre nessas descidas aos infernos, não permaneceu apenas observando os fenômenos. Viciou-se em heroína, teve ligações homossexuais. E, a meio caminho, decidiu se preservar – talvez porque já tivesse chegado onde queria, com o reconhecimento de seu talento.
Em Coney Island Baby (1976), ele já aparece distanciado do ambiente que retratava, avaliando com simpatia e compaixão a saga dos que se esbatem nos subterrâneos, buscando as verdades e ideais ausentes do mundo do desempenho e do consumo. Aliás, foi quando este se demonstrou inabalável, após as jornadas contestatórias dos anos 60, que muitos sonhadores resolveram se entregar aos pesadelos, à marginalização assumida, à loucura e auto-destruição. Como os nobres orientais de outrora, não quiseram sobreviver à derrota. Desatinados mártires, tombaram nos becos e nos hospícios, enquanto a maioria silenciosa desfrutava os cânceres de sua vitória.
Enfim, em 1982, Lou Reed enterrou o passado e desfez as lendas a seu próprio respeito. Há muito deixara de ter algo a ver com o ‘wild side’. Casou e confortou-se com o amor possível: amores lendários e sonhos inatingíveis não aquecem a velhice. Ainda se permite chorar pelos que ficaram no caminho, os Johnnys e Mickys e Jerrys que não chegaram a porto seguro. Mas, decididamente, já se separou dos personagens que ‘inventou’ em suas melhores canções.”
segunda-feira, 12 de julho de 2021
Legião Urbana - Uma Noite de Som e Fúria
Os shows da Legião Urbana, uma das bandas mais populares dos anos 80, sempre foram carregados de grande expectativa, e muitas vezes polêmicas. Mas em termos de repercussão negativa extra-musical, talvez o mais comentado tenha sido no estádio Mané Garrincha, em Brasília, justamente a cidade onde a banda se formou. Esse show aconteceu em 1988, e causou um enorme mal-estar entre a banda e os fãs brasilienses, a ponto da Legião nunca mais tocar na cidade. Havia um clima de violência entre o público e os policiais responsáveis pela segurança, a ponto do show ser interrompido algumas vezes. Mas o que incitou mais fortemente o clima de revolta naquela noite, foi o fato da banda ter antecipado o fim do show, por não se sentir segura e à vontade no palco. Muitos fãs se sentiram desrespeitados, e iniciou-se um quebra-quebra generalizado. O show durou menos de uma hora devido ao pânico que se formou , e os fatos foram relatados em matéria da revista Bizz, muitos anos depois, em março de 2000. Segue a matéria:
“É Dado Villa-Lobos quem garante a autenticidade do slogam: ‘Show da Legião, sempre uma nova emoção’. Mas nada foi tão perigosamente emocionante para Dado, Renato, Negrete e Bonfá do que a noite friorenta de 18 de junho de 1988, quando a Legião Urbana realizou o mais polêmico show de sua carreira, no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Foram 58 minutos de som e fúria presenciados por 50 mil pessoas – entre elas 11 mil que não pagaram ingresso.
A confusão toda começou cedo. Dezenas de ônibus que vinham das cidades-satélites foram apedrejados por uma horda de fãs (?) ansiosa para conferir a volta da Legião, um ano e meio depois do último show na cidade. Era a turnê de lançamento do disco Que País é Esse?, e a música que batiza o disco foi a primeira das onze músicas tocadas pela banda. ‘Boa noite, Brasília. A gente vai se divertir? Legal’, saúda Renato, eufórico com o retorno à capital. ‘Quando saiu do Rio, ele falou pra mim: ‘Tô indo para fazer o show da minha vida’, revela dona Carminha Manfredini, mão do vocalista.
Menos de 20 minutos depois de iniciado o espetáculo, o primeiro incidente sério. A segurança falha e um desiquilibrado mental pula no pescoço do cantor, que tem de usar o microfone para se livrar do invasor. ‘Eu disse que Brasília era uma cidade estranha...’, brinca Renato. Ele enxerga uma série de brigas perto do palco e avisa: ‘Tá todo mundo se matando aqui, hein?’ e emenda com ‘A Hard Day’s Night’, dos Beatles. A alegria do início se dissipa e predomina o clima de tensão.
Durante ‘Ainda É Cedo’ (música que sempre foi utilizada pela banda para resolver problemas de som sem precisar interromper o show), pipocam mais brigas na frente e ao lado do palco. Os seguranças descem o braço com vontade e Renato toma as dores de um fã que está sendo espancado. “Para, solta ele, solta! Que história é essa de mão no cara? É por isso que a gente só volta aqui de ano em meio em ano e meio, não dá pra se divertir...’, lamenta.
A situação se torna insustentável com a explosão de bombas de São João no palco. ‘Da próxima vez a gente vai acender a luz e ir embora’, ameaçou Renato, antes de começar a cantar ‘Faroeste Caboclo’. As bombas continuam a estourar perto dos músicos e, depois de ‘Tempo Perdido’, o vocalista anuncia a última música do show: ‘Esta é para todos nós...’, e começa a cantar ‘Será’ (‘Brigar pra quê/Se é sem querer...’). A Legião deixa o palco. O público, que esperava uma maratona de mais de duas horas, não se conforma com o encerramento abrupto. Quem está na frente começa a destruir as grades de proteção do palco e, no empurra-empurra, muita gente fica machucada e desmaia. O posto médico registra 400 atendimentos e, na saída, mais depredação e inúmeras brigas com a polícia, que joga cavalos e cachorros em cima do público. O caos é total, e não há a menor possibilidade de um bis.
A Legião deixa o estádio. Renato segue direto para o apartamento dos pais, na Asa Sul, onde chega em estado de choque e mergulha numa banheira cheia com água quente e sal grosso.
domingo, 11 de julho de 2021
Os Dez Anos da Jovem Guarda (Revista Pop - 1975)
Em setembro de 1965 estreava na TV Record de São Paulo o programa Jovem Guarda, apresentado por Roberto Carlos, e tendo como co-apresentadores, Erasmo Carlos e Wanderléa. A história provou que o evento não se trata de somente um programa de TV de grande repercussão e elevados índices de audiência, como tantos outros da televisão brasileira. Muitos consideram, sem exagero, que o programa representou o real nascimento do rock brasileiro, tanto que o nome “Jovem Guarda” é mais usado para definir um movimento musical do que propriamente um simples programa de TV, embora os dois conceitos se entrelacem, pois sem o forte apelo comercial e o impulso que atração dominical da TV representou, o movimento musical teria acontecido de forma mais discreta. É certo que anteriormente à Jovem Guarda já havia acontecido um movimento de rock no Brasil, bem no início da década de 60, em que se destacaram, por exemplo, Cely Campelo, seu irmão Tony Campelo, Demétrius, Sérgio Murilo, Carlos Gonzaga e outros, mas foi a Jovem Guarda que trouxe uma linguagem mais representativa de algo que se podia chamar de “rock brasileiro”. Tanto é que em setembro de 1975, exatamente dez anos após a estreia do programa, a revista Pop nº 35 trazia uma matéria sobre a primeira década de surgimento do movimento, e trazia o título de “Assim Nasceu o Nosso Rock”. Uma introdução da matéria diz:
“Faz exatamente dez anos: em setembro de 1965, foi ao ar o primeiro programa Jovem Guarda. Uma revolução: em pouco tempo, Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa, seguidos de caras como Eduardo Artaújo, Martinha, e Wanderley Cardoso, eram ídolos do Brasil inteiro e mudaram o comportamento de toda a juventude. Foi ‘uma brasa, mora!’ “
Um box especial publicado contava um pouco da história de como tudo começou, e transcrevo abaixo:
“Em agosto de 1965, as transmissões diretas de futebol pela televisão foram proibidas, para aumentar as rendas. Foi aí que Paulo Machado de Carvalho, diretor da TV Record (SP), teve a ideia: para substituir o futebol e garantir audiência, a TV apresentaria um show musical para a juventude, comandado por aquele cantor de 24 anos, com ar triste e simpático, que até aquele momento tinha colocado algumas músicas nas paradas de sucesso.
Roberto Carlos topou na hora e exigiu a participação de seu parceiro e amigo Erasmo Carlos no programa, mais alguns conjuntos de iê-iê-iê que seguiam as pegadas dos Beatles. Os caras da agência Magaldi, Maia & Prosperi, encarregados de bolar o programa, sacaram que faltava uma cantora para conquistar o público masculino. E, por sugestão de Roberto e Erasmo, optaram por Wanderléa. A primeira ideia de nome para o programa foi Festa de Arromba, mas alguém lembrou a frase histórica: ‘O futuro pertence à Jovem Guarda, porque a Velha está ultrapassada’. E assim nasceu a Jovem Guarda.
Bolado o esquema, a ideia foi levada aos possíveis patrocinadores. E três empresas recusaram: ‘Não é conveniente ligar nosso nome a esses playboys cabeludos’, diziam. E a própria agência encarou a produção e patrocínio do programa. Para cobrir o custo da produção, lançou-se as marcas Calhambeque, Tremendão e Ternurinha, registradas em nome da agência e pagando royalties aos cantores. Fábricas de tecido, roupas e sapatos assinaram contratos para o uso das marcas em novos lançamentos de moda jovem.
Desde a estreia, no dia 6 de setembro de 1965, os programas eram feitos num clima de alegria e espontaneidade. Roberto e Erasmo lançaram gírias (‘legal’, ‘barra limpa’, ‘é uma brasa, mora!’, ‘bidu’...), antes usadas só por sua turma, que incluía Tim Maia, Jorge Ben e outros caras. Nas grandes cidades e nos subúrbios, a meninada se identificou de cara com a Jovem Guarda. Roberto Carlos, ao mesmo tempo que passava uma imagem de rebelde e inovador, cultivava a imagem de bom menino e foi conquistando adultos, velhos e crianças. Seis meses depois da estreia, a Jovem Guarda tinha vendido 350.000 peças de seus produtos, Roberto mais de 1 milhão de discos e o programa era visto por mais de 2 milhões e meio de telespectadores em todo o país. Mas, em 68, o interesse do público caiu, os patrocinadores se desinteressaram e a Jovem Guarda acabou.”
Assinar:
Postagens (Atom)