Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

terça-feira, 30 de junho de 2015

B.B. King no Brasil - Revista Mix (1986)

Nós, brasileiros, tivemos o privilégio de receber em nossa terra o grande nome do blues B.B. King em diversas ocasiões. Em 1986, por exemplo, ele deu por aqui uma série de shows. Na ocasião, o mestre da guitarra do blues concedeu uma entrevista ao jornalista Antonio Carlos Monteiro, publicada na revista Mix. Na chamada da entrevista, a revista diz: "Lenda viva da música dos nossos dias, e ainda um dos melhores bluesmen em atividade, B.B. King cumpriu uma excelente e gloriosa excursão brasileira, e é claro, a Mix não poderia deixar de encontrar este alquimista da guitarra. Com  a palavra, sua majestade".
Abaixo, a matéria:
"Impecável em seu terno cinza, único sinal de cansaço demonstrado através dos enormes óculos escuros que usava, B.B. começou definindo o blues; 'É a vida como eu vivo hoje e como eu acho que vamos viver amanhã. A maioria das pessoas pensa que o blues só tem a ver com casos de amor infelizes, mas também tem a ver com pessoas que querem ser amadas, tem a ver com as coisas boas da vida também. Com minha música, eu quero que as pessoas batam palmas, dancem, e que algumas vezes pensem. Mas, no fim, quero que todos se sintam felizes'.
Diplomata, King não deixa de lançar elogios aos seus concorrentes. Considera os Stones 'uma banda fantástica', apesar de não estar acompanhando seu trabalho ultimamente; faz elogios a Stanley Jordan - 'ele tem dez dedos que parecem trinta, vai ficar muito famoso porque é muito jovem e muito talentoso' - e se empolga todo ao falar de Muddy Waters; 'He's the boss!!', disse, para completar a seguir: 'quando ele já estava tocando, eu ainda arava a terra'. Sua única farpa saiu quando lembraram-lhe que Jimi Hendrix se dizia influenciado por ele. 'E no trabalho de B.B. King, há influência de Hendrix?', quiseram saber. 'I'm grandfather' (Eu sou o avô), respondeu ele.
Sobre sua amada Lucille, conta a história (ou estória?) que levou-o a batizá-la assim: 'Foi em 1949. Eu tocava em um clube, no Tenessee. Fazia muito frio, e eles colocavam latas com querosene no meio do salão e colocavam fogo para aquecer. Uma noite, enquanto eu estava tocando, dois caras começaram a brigar. Um deles caiu, derrubou uma das latas, e o lugar começou a pegar fogo. Todos correram para fora, inclusive B.B. King (risos). Quando cheguei lá fora, lembrei que havia esquecido minha guitarra. Então, voltei para dentro do clube para pegá-la. O prédio queimava depressa, porque era de madeira, e o fogo caía por cima de mim. Quase perdi a vida para salvar minha guitarra. No dia seguinte descobri que os dois homens haviam brigado por causa de uma garota. Eu nunca a conheci, mas fiquei sabendo que ela se chamava Lucille. E eu dei o nome de Lucille à minha guitarra para me lembrar de nunca fazer isso novamente...'
Na Lucille atual (a décima quinta, que está com ele há oito anos), King não introduziu nenhuma modificação, como pedais ou efeitos: 'O que você está vendo, é o que é', disse, orgulhoso, ao lado de seu instrumento. E, perguntado sobre a comentada relação homem x mulher que trava com seu instrumento, foi incisivo: 'Ela faz mais por mim do que muitas garotas...'
 Apesar de ser músico de um estilo tradicional, B.B. King não vê nada demais na introdução de elementos eletrônicos na música atual; 'Não fiquem surpresos se, daqui a vinte anos, eu estiver tocando com a ajuda da eletrônica moderna. Um dia, talvez, eu até queira um sintetizador para colocar na Lucille'. E, acusado de fazer um estilo considerado simples, arremata; 'Eu sou um homem simples. E criar em cima de um estilo simples é a parte artística da música. Eu gosto de pensar que toco o que eu chamo de 'Estilo B.B. King'. Eu toco um pouco de jazz, um pouco de soul, e um pouco de rock no meu blues. Isso se chama 'B.B. King Blues'. Os críticos puristas de blues dizem que eu não permaneço puro o suficiente. Já os críticos de jazz dizem que eu coloco blues demais no meu jazz; os críticos de soul dizem que eu não ponho soul suficiente no meu soul; os críticos de country dizem que eu não sou country o suficiente; e os críticos de rock dizem que eu não uso muito rock. Então, eu tento ser apenas B.B. King, e todo mundo diz: 'OK!'
 Até B.B. King, o blues era localizado, conhecido por poucos, mas, graças e ele, ganhou projeção internacional. A que ele deve isso?, perguntaram. E ele, mordaz: 'Bem, eu tenho um bom empresário, uma boa agência, uma boa gravadora, uma boa equipe e o meu talento...' Com o passar dos anos, King aprendeu a 'ampliar minhas raízes', permanecendo fiel a elas. 'Eu ainda estudo, mesmo aos 60 anos, mas não tanto quanto deveria. Sou muito preguiçoso, quase não estudo fisicamente. Mas, mentalmente, eu pratico todos os dias. Eu até já pratiquei um pouco desde que começamos a conversar aqui...'
Mas tudo começou mesmo quando B.B., que ainda se chamava Riley King, foi trabalhar como disc-jockey em uma emissora de rádio, o que o influenciou tremendamente: 'Eu ouvi diversos tipos de música nessa época, e aprendi a gostar de todos eles. Todos os músicos tocam algo que eu gostaria de poder tocar. Ninguém toca tudo, e eu gosto disso. Mas eu apenas tento tocar, ser eu mesmo, sem imitar ninguém. Eu quero mesmo entreter as pessoas'.
Ele não tem certeza se foi através dele que o blues começou a atingir o público branco, mas 'acho que ajudei'. E não vê nenhuma diferença entre o blues branco e o blues negro. Ou melhor, vê uma: 'O músico'.
Hoje em dia, para espanto geral King trabalha 300 dias por ano, fazendo uma média de 500 apresentações anuais (nesse momento, um maldoso anônimo comentou; 'E o RPM está reclamando do quê?'). Mas o roteiro da cada show é decidido no palco: 'Cada noite eu faço o show como acho que deve ser feito naquela noite. Meus músicos estão comigo há muitos anos, então não há problema. Quando percebo que um tipo de música não agradou àquele público, não toco mais esse estilo naquela noite. Mesmo assim, eu já tive muitas noites ruins, daquelas em que nada dá certo, mas eu tento não deixar o público saber disso...' (risos). Esse conflito entre agradar o público, deixando de lado, às vezes, suas preferências pessoais dentro de seu repertório, não o abala: 'Eu não estou tocando para mim, e sim para satisfazer o público que foi me ver. Eu toco o que eu quero no meu quarto'.
E, dentre tudo isso, se sente muito bem como 'Rei': 'Sempre que falam 'Ele é Rei, ele é Rei', eu digo 'Sim, esse é o meu sobrenome'. Musicalmente, eu não sei, mas isso me faz feliz'.
O Rei se diz religioso, já que descende de uma família de bastante fé. Anuncia que está divorciado, que procura uma nova esposa - 'quem sabe não a encontro no Brasil?', brinca - e que tem, nada mais, nada menos, do que oito filhos, nenhum deles músico.
E, depois do inevitável sinal de 'só mais cinco minutos' dado por sua claque paulista, King aproveita para agradecer a presença e a gentileza da imprensa brasileira. E arremata, com um sorriso maroto de quem repete uma frase ensinada por seu empresário: 'Eu já estive em muitos países, e esta foi a imprensa mais gentil que já encontrei em todo o mundo'.
Os jornalista brasileiros riram, cúmplices daquele exagero. Afinal, Sua Majestade reinava, soberano."
Abaixo, uma resenha do show de B.B. King, realizado no Rio:
"Foi arrasadora a apresentação de B.B. King no teatro do Hotel Nacional no sábado dia 12 de julho. Com apenas 15 minutos de atraso (coisa rara nesses eventos), o hepteto de King abriu o espetáculo com dois temas para 'esquentar' a plateia, que por sinal já vinha quente de casa, a verdade é que logo quando o rei do blues pisou no palco, foi ovacionado de pé por uma plateia que parecia adivinhar o que a esperava. Um dos melhores shows já vistos por aqui. O set não tinha nada de especial, além de 8 minutos sensacionais. Apesar de, muito merecidamente, concentrar as atenções, B.B. King trabalha com muita honestidade e humildade, próprias de um gênio e todos em sua banda tem espaço para solo, com destaque para os metais.
No repertório, além de belos blues, muito jazz e funk, diluídos numa linguagem muito pessoal e contagiante, B.B. não tem a pirotecnia de um Stanley Jordan ou a variedade de texturas de um Adrian Bellew. Seus solos são simples e seus tons quase sempre os mesmos, mas é aí que está sua genialidade. Seu ataque nos solos é de deixar de cabelos em pé qualquer um que já tenha tocado uma guitarra. Tecnicamente, B.B. King dispensa a moderna parafernália eletrônica, optando mais pelo lado emocional, além de um único DX-7, não há mais nenhum sinth na banda. King, como sempre, usou sua Lucille, uma Gibson AE-3, e na ampliação um Lab-5 System, e um pouco de Eco ligado direto ao amp. Mas isso é o de menos, já que ao contrário de muitos dos grandes guitarristas da atualidade, a história de B.B. King não será nunca contada pelos efeitos ou pelos Marshalls com que ele toca, sua história será a do próprio blues. Um show pra não esquecer nunca mais."

domingo, 28 de junho de 2015

A Fúria dos Titãs - Revista Roll (1986)

Em 1986 os Titãs deram uma virada em sua carreira, e surpreenderam o mercado do rock lançando um disco que pode ser considerado um verdadeiro clássico do rock brasileiro, não só dos anos 80, mas de todas as épocas - "Cabeça Dinossauro". Depois de terem lançado dois discos, que apesar de trazerem boas composições, não os qualificavam como uma banda que pudesse representar o melhor do que o rock nacional viria a produzir, em 86 eles mudaram o panorama do nosso rock, e continuariam a lançar discos da melhor qualidade. Na ocasião a revista Roll fez uma matéria com a banda, falando de sua trajetória até então, e sobre o impacto que o ainda recém-lançado "Cabeça Dinossauro" vinha causando. A matéria, intitulada "A Fúria dos Titãs" é assinada por Niel Martins:
"Na mitologia, os titãs eram aqueles escabrosos monstros que existiam somente para serem derrotados pelos Teseus e Jasões da vida. Apesar dos tamanhos descomunais, seus planos para um futuro tranquilo caíam por terra ante espadinhas enfeitiçadas, flores azuis e porções mágicas.
Nos dias correntes, os 'titãs' não são nem monstrengos nem escabrosos. Na verdade, eles são os maiores heróis da resistência que se estruturou no país contra a sintomática e perniciosa linha de pensamento que taxava o rock nativo como 'não-emplacável'. E maiores por várias razões: são grandes músicos, já foram censurados, presos, injustiçados por isso e por aquilo e, principalmente foram os responsáveis pelo melhor disco de rock dos últimos tempos - Cabeça Dinossauro.
Titãs, de 84, foi o que se pode chamar de um pontapé inicial numa bola meio murcha. 'Sonífera Ilha' ficou sendo a música mais conhecida, e trazia no título um adjetivo que ficava na memória após uma audição da bolacha. Com exceção de 'Querem Meu Sangue' (bem melhor com o arranjo atualmente apresentado nos shows), todas as músicas eram bem bobas e estavam mal distribuídas num mosaico de tons pasteis, o qual sofria uma exígua incidência da luz diurna.
Capa da revista
No ano seguinte, Televisão sintonizou a banda numa proposta (um pouco) mais dirigida. Apesar de abominações como a faixa-título(*), 'Dona Nenê' e (eca!) 'Insensível', havia a ótima 'Pavimentação', a poesia simples e bonita de 'Sonho com Você' e o desbunde apocalíptico de 'Massacre', uma luz no fim do disco.
A partir daí os, Titãs, como 'o homem cinza', não seriam mais os mesmos.
Um disco conceitual, de crua sonoridade e viscerais mensagens, foi com o que nos brindaram Branco Melo (voz), Arnaldo Antunes (voz), Sérgio Britto (voz e teclados), Paulo Miklos (voz e teclados), Nando Reis (voz e baixo), Marcelo Fromer (guitarra), Toni Bellotto (guitarra) e Charles Gavin (bateria) no ano passado. Cabeça... emplacou praticamente todas as músicas nos tímpanos da massa. Das FMs, só ficaram de fora 'Bichos Escrotos', por razões censórias (**), e 'A Face do Destruidor', por razões... bem, quem ouviu sabe porque. Um disco fundamental para alicerçar a estrutura do rock brasileiro, há dois anos de pilhéria e atualmente maduro a ponto de ser digerido sem contra-indicações (desde que seja colhido nas árvores certas).
Paulo Miklos
É gratificante perceber como esse octeto burla a mesmice que assola as ideias de pseudo-reinventores da 'linguagem rock'. Tendo sobrevivido a 'era glacial' que marcou o início do trabalho, a qual revestiu sua musicalidade de um frio siberiano, os Titãs conseguem , sem muita dificuldade e com resultado, estar a um passo além do que se veicula - até o limite do tolerável - num determinado momento no cenário musical guarani. 'O Que' foi o primeiro rap composto por aqui, o que, no que pese a importação, não deixou de ser uma ousadia, pois, se mal feita fosse, resultaria num atestado de compartimentação estilística. Entretanto, com uma letra de um minimalismo contundente e uma métrica perfeita (em seu livro 'Psia', Arnaldo Antunes explicita essa qualidade formando, com a letra, um círculo perfeito), a música entrou pelos ouvidos e saiu pelos pés de todos os habitués de todas as danceterias e afins da pátria.
Se duas cabeças pensam melhor que uma, imaginem oito.
Mas assinando um cheque em branco - e foi isso o que fez a banda atingindo tal amadurecimento - eles se colocaram no paredão. Claro que, após o conceitualismo de Cabeça..., talhado com mãos de ourives, o grupo pode inovar com toda disposição e competência que lhes são inerentes, mas um ponto é pacífico: num nível desses, a qualidade é imprescindível. Ou seja, não se dá ponto sem nó. O público agora vai esperar, cada vez com mais secura, por trabalhos classudos, estonteantes e, principalmente, de vanguarda (dê-se a essa palavra o conceito mais positivo e cooperativista que ela possa ter).
Claro que, nesse público, não incluo aquela parcela pré-histórica que depreda teatros (como aconteceu recentemente no Carlos Gomes, no Rio) e luta por seu espaço distribuindo socos e pontapés durante as apresentações da banda; refiro-me apenas àqueles que curtem, consomem e querem ver o rock nacional despido de sua quase definitivamente no ostracismo, condição marginal.
E para isso, Cabeça Dinossauro mostrou ao que veio. Como, na versão (faixa-título) para um canto dos índios do Amazonas, o qual é entoado para espantar maus espíritos, os Titãs estão exorcizando os espíritos-de-porco que insistem em estagnar o nosso rock.
Sejam eles certos empresários de comunicação, certos músicos, certas parcelas do público e da imprensa, todos merecem apenas uma coisa: PORRADA! PORRADA! PORRADA!"
Branco Melo

(*) Discordo da opinião do jornalista. Considero "Televisão" uma excelente composição. Outra música pré-Cabeça Dinossauro que eu considero boa é a versão para "Ballad of John and Yoko", dos Beatles.
(**)" Bichos Escrotos", apesar de à princípio ter tido sua execução nas rádios proibida, acabou sendo muito executada, quando as primeiras rádios começaram a ignorar a proibição, e outras emissoras começaram também a tocar, e acabou virando um dos maiores sucessos do disco.

sábado, 27 de junho de 2015

Duane Allman - An Anthology

Duane Allman foi um dos melhores guitarristas de sua geração. Sua técnica e precisão o levaram a participar como convidado de vários álbuns de renomados artistas, além de atuar em sua banda, a Allman Brothers Band. Infelizmente, um acidente fatal de moto em 1971 o levou prematuramente. O álbum póstumo "Duane Allman An Anthology" foi lançado com várias gravações em que ele participou. A Revista do CD nº 11, de fevereiro de 1992 fala do lançamento do disco em CD, em texto escrito por Airton Seligman:
"É comum elogiar o trabalho do guitarrista norte-americano Duane Allman citando The Allman Brothers Band, o brilhante grupo que formou com o irmão-tecladista Gregg no final dos anos 60. Também são frequentes as reverências a Duane lembrando sua colaboração com Eric Clapton, no álbum Layla and Other Assorted Love Songs, de dezembro de 70.  Raro é recordar Duane Allman como um dos mais inventivos, viscerais e atuantes músicos de estúdio da história do blues e do rock. Duane trabalhou em discos de mais de duas dezenas de artistas, incluindo alguns de soul e country. Tudo isso somente até os 24 anos, quando morreu num acidente de moto, em 29 de outubro de 71. Antes tarde do que nunca, chega ao Brasil uma síntese, equilibrada e ao mesmo tempo vibrante, da rica e fugaz trajetória deste mestre. Trata-se do CD duplo Duane Allman - An Anthology, que a Polygram acaba de lançar, com - é bom lembrar - quase todas as 19 faixas extremamente degustáveis, o que é raro em coletâneas.
Duane teve uma vida barra-pesada. Nasceu em Nashville, Tennessee, em 1946. Três anos depois, seu pai foi assassinado. Em 1958, a mãe levou os filhos (Greg tinha nascido um ano depois de Duane) para a Flórida para evitar de pô-lo num orfanato. Curiosamente, foi uma motocicleta que deu início à carreira: a primeira guitarra foi comprada em 1960, com  a venda da sucata de sua Herley Davidson, demolida num acidente. Aí aconteceu: Duane desistiu da escola e passou a ouvir tudo que podia: blues, rhythm and blues, country, jazz e rock.
Mais venerado por seu genial trabalho com o slide, um tubinho que desliza sobre as cordas enfiado na mão esquerda do guitarrista, característico do blues e do country, Duane era mestre também na guitarra tradicional. Optava por um outro método, indiferente de gêneros musicais, e ainda misturava ou mais destes gêneros numa mesma música. Dois temas são exemplares. Hey Jude, dos Beatles, transformada em soul por Wilson Picket por sugestão de Duane, traz um arranjo de teclados e metais típicos do gênero mas é pontuado por frases country da guitarra de Duane. Também surpreendente é o uso de slide em soul music, como fez em The Weight, gravado por Aretha Franklin.
Há bons rocks na antologia. Não poderia faltar, claro, a desesperada gravação de Layla que Clapton compôs para a mulher de George Harrison, por quem estava apaixonado. Metade da tensão do arranjo seria perdida sem o slide de Duane. Aliás, foi com ele que Clapton desenvolveu interesse pelo tubinho. Os dois dividem rifs de slide nos violões de Mean Old World, um blues sincopado da época do álbum Layla, mas editado pela primeira vez nesta antologia (nos EUA em 1972).
Era justamente no blues que Duane  se fazia mais pungente. Em B.B. King Medley, compilação de três clássicos do famoso bluesman, Duane mostrava, em 68, ainda no grupo The Hourglass, o que faria mais tarde no Allman Brothers: um som elétrico, pesado e com forte tendência bluesy. Cinco faixas são dedicadas a sua última banda, entre elas o carro-chefe Statesboro Blues e o rhythm'n blues Don't Keep me Wodering.
Dois temas destacam a precisão e a emotividade no uso do slide. No boogie Shake For Me, Duane faz contraponto ao vocal gutural de John Hammond com um riff histericamente suingado. E no blues acústico Rollin' Stone, com Johnny Jenkins, ele parece um xamã evocando seus heróis do Delta."

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Paulinho da Viola - Um Ourives e Luthier de Poesia Penetrante

Em sua edição de 24/06/12 o jornal O Globo publicou um caderno especial sobre os grandes nomes da MPB que fariam 70 anos naquele ano. Caetano, Gil, Milton e Paulinho da Viola, entre outros, foram destacados, com depoimentos sobre eles. O depoimento sobre Paulinho da Viola foi dado pelo poeta, letrista e produtor Herminio Bello de Carvalho, que acompanha a carreira de Paulinho desde o seu início. O texto tem por título "Um ourives e luthier de poesia penetrante":
"No princípio era o choro, quase que apenas o choro. Explica-se: a casa de Botafogo era dominada pelo majestoso violão de Paulo Cesar Batista de Faria, que futuramente ganharia o nome artístico: Paulinho da Viola. Na casa viviam a avó, a mãe e o irmão caçula de Paulo Cesar, Chiquinho. Este aí ficava de lado com seu cavaquinho, ou então consertando rádios, vitrolas, gravadores e também instrumentos musicais. Era uma paixão adolescente que, acho eu, iria influenciar o irmão mais velho quando ele, já famoso, entulharia a garagem de sua casa na Barra, com carcaças de carros antigos, ou se enfurnava numa imensa e bem fornida oficina de marcenaria, onde se transfigurava entre outras coisas, em luthier.
O ambiente era dominado quase que apenas pelo choro. Mas convenhamos que era impossível não ouvir as rádios Nacional e Tupi nem ficava indiferente, quando se aproximava o carnaval, aos sons que vinham dos blocos de rua do bairro de Botafogo. Paulinho se escafedia para Jacarepaguá, onde ajudou a organizar o bloco Foliões da Anália Franco. Mas foi seu tio, Oscar Bigode, quem fez com que o jovem entrasse para a Portela, sua escola de coração. O mundo musical de Paulo Cesar ia ganhando esses contornos, abastecendo-se dessas informações, captando esses sinalizadores que incorporaria, depois, à sua carreira.
Tudo mudava quando Benedito Cesar tomava, coincidentemente, o rumo de Jacarepaguá - mas longe dos tamborins, ganzás e cuícas que fascinavam o filho mais velho. A casa-alvo da visita era enorme, circundada por um grande muro e cheia de árvores - e a mais frondosa e tonitruante tinha nome e sobrenome: Jacob Pick Bittencourt, o Jacob do Bandolim. E as rodas de choro rapidamente se formavam em torno do anfitrião. Quem passou pelos saraus de Jacob jamais esquecerá aquelas noites. Paulinho, inclusive.
E aí já estamos em meados da década de 1950.
'Olá, como vai?' 'Eu vou bem, e você?' Poderia ter sido o diálogo quando fui pagar uma fatura no banco onde Paulinho dava expediente no balcão. Ele conta melhor esse nosso encontro do que eu. A partir dali, amigos e parceiros - e ele adentrando no 'já vi tudo' onde eu morava no Beco do Rio, vizinho à Taberna da Glória e ao maestro Moacir Santos. Minha casa tinha visitantes ilustres, e um deles era Ismael Silva. Os violões clássicos adentravam no apartamentinho que tinha apenas sala, banheirinho e uma quitinete sem-vergonha, onde mal cabia uma geladeira. Reza a lenda que ali, naquele moquifo, fui seu primeiro parceiro. Que Paulinho relembre essa história.
Estamos já na década de 1960. Não, Paulinho ainda não se aventurara a ir profissionalmente ao encontro da música. Isso se deu quando o levei para o então recém-aberto Zicartola, na Rua da Carioca, e onde Cartola deu a ele seu primeiro cachê como músico. Definia-se ali, o seu destino. E por lá ficou tocando ao lado de Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Clementina de Jesus, Cartola e os convidados ilustres que iam receber a Ordem da Cartola Dourada, artifício que criei de parceria com Zé Keti para impulsionar as rodas de samba que ele, Zé, criara.
E o que fazia o tímido Paulinho naquele palco diminuto? Acompanhava, simplesmente acompanhava ao violão. Até o descobrirem cantor e compositor levou um tempo.
Os blocos de rua fizeram com que Paulinho cruzasse seu caminho com o grande Mauro Duarte (Mauro Bolacha), Zorba Devagar, depois Jorge Mexeu e Catoni não o fizeram afastar-se do choro. E Zé Keti, quietinho, estava sempre por perto, ardilando coisas, botando lenha na fogueira, Era um agregador.
Em dezembro de 1964, vamos assestar os refletores do Teatro Jovem na figura extraordinária de Clementina de Jesus, numa série chamada 'Menestrel', criada por mim - e que juntava um músico popular a um erudito. Acompanhando-a quem? Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Benedito Cesar. Turíbio Santos abria o recital. Kleber Santos, dono do Teatro Jovem me chama a atenção: 'Você tem um show pronto nas mãos.' Nascia o 'Rosa de Ouro', com Clementina de Jesus, Aracy Cortes e os Cinco Crioulos: Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento, além de um palco despojado, onde projetávamos slides e as vozes de Almirante, Pixinguinha, Lúcio Rangel, Jota Efegê, Elizeth Cardoso e quem mais se possa imaginar. Enfim, a antítese de tudo o que estava na moda. Era uma estética que rádios e TVs ignoravam.
A carreira de Paulinho foi iniciada com um disco em que colocamos, com intensa alegria, a música de Valzinho - entre outros compositores. Valzinho passaria a ser um símbolo de tudo aquilo que não era midiático, sinônimo de total invisibilidade musical. Admirado por Radamés Gnattali e Tom Jobim, ainda vivia nas sombras.
Época de festivais, da bossa nova, da jovem guarda de Erasmo e Roberto, o choro praticamente declinando após  a morte de Jacob em 13 de agosto de 1969. Falei em 69? Pois um ano depois nosso Paulinho ilumina a década de 1970 produzindo um LP arrebatador com a Velha Guarda de sua amada Portela, e de uma certa forma retomando a linha estética trazida pelos discos do 'Rosa de Ouro' e pela discografia de Clementina, da qual participa ativamente.
Há que se revirar a ampulheta, deixar que a areia escorra e nos faça relembrar todas as vertentes que se atravessaram em sua vida, desde o choro tocado com solenidade em sua casa por Benedito Cesar e na de Jacob do Bandolim, e também as sonoridades dos blocos de Botafogo e Jacarepaguá, mais todas as informações trazidas por Valzinho e outros músicos iguais a ele e a Elton Medeiros, seu parceiro mais constante, fizeram com que fosse esculpido esse grande personagem que é Paulinho da Viola, preso à tradição do samba e ao mesmo tempo adentrando a vanguarda ao compor 'Sinal Fechado', repleto de signos e sinais metafóricos, para, em seguida, despir-se dessa ruptura e de novo vestir, com orgulho, os seus paramentos de sambista.
Vejo-o assim: ourives e luthier a bordar no pentagrama melodias de uma aparente simplicidade. Ourives e luthier de versos desprovidos de arabescos, mas de poesia penetrante que jamais rasteja para a vulgaridade. Nenhuma informação desperdiçada, tudo reciclado em sua arte enxuta, antimidiática por natureza."

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Amigos e Parceiros Falam de Tom Jobim - 1995

Tom Jobim nos deixou em 08/12/94. Foi sem dúvida, uma grande perda. Tom foi um dos principais e mais inspirados compositores e músicos deste país. Reconhecido internacionalmente, o maestro ampliou o alcance da música brasileira mundo afora, por isso sua morte foi tão sentida em várias partes do mundo. Além do grande artista, Tom soube cultivar amigos e admiradores.
Na edição de domingo, 03/12/95, nas vésperas do primeiro aniversário de seu falecimento, o Jornal do Brasil publicou um caderno especial sobre Tom, fartamente ilustrado, e trazendo muitos detalhes sobre sua vida e carreira, além de muitos depoimentos de amigos, parceiros e pessoas próximas. Abaixo transcrevo alguns desses depoimentos:
Chico Buarque: "Todos os compositores da minha geração começaram a fazer música ao som de Chega de Saudade. Essa marca de Tom e do João Gilberto todos nós temos. Para cada música que eu faço, tenho o Tom como referência, é para ele que eu tenho vontade de mostrar o que fiz. Tenho a impressão de que vou sentir mais saudade ainda agora, quando finalmente voltar a compor, depois de ter parado para escrever meu segundo livro. Nosso projeto era fazer um CD com novas parcerias, já tínhamos programado isso logo depois que eu terminasse o livro. Para mim, seria um imenso prazer fazer novas músicas com ele. Desde que Tom morreu, eu não peguei no violão. Eu não sei como vai ser agora quando eu voltar ao violão, não sei dizer. Sinto falta do humor dele, daquele jeito simples de ser mestre fingindo que não era. Da pessoa atenta a tudo que acontecia na cidade. Será que vou ter que reclamar dos engarrafamentos por mim e por ele?"

Billy Blanco: "Fui seu amigo de primeira hora. Conheci o Tom na época em que ele era pianista da  noite. Estávamos ambos começando. Fizemos várias músicas juntos: Sinfonia do Rio de Janeiro, Esperança Perdida, Teresa da Praia, Acho que Sim. Teve outras que não foram gravadas, pois não tinham muita expressão. Um dia quem sabe, pode ser que eu concorde em gravá-las. Para mim, o Tom foi o maior compositor do mundo  de todos os tempos. Superou Gershwin, Irving Berlin, Cole Porter. Porque ele não era só popular, era erudito também. Ele era maestro, letrista. Ano que vem vou lançar um CD que é um recado meu para ele. Vai se chamar De Billy Blanco para Tom Jobim, meu parceiro, meu amigo, um título baseado numa dedicatória que ele escreveu para mim num livro. Vai ter 15 músicas, várias que fizemos juntos, algumas só minhas, outras só dele. É a minha homenagem."

João Ubaldo Ribeiro; "Sinto muito a falta dele. É semelhante à falta que senti quando perdemos Glauber Rocha. O país ficou mais burro. Fico triste em não ter mais o prazer de uma conversa inteligente com o Tom, perceber sua ironia, o senso de humor, a sensibilidade para observar as coisas. Ainda vou à Plataforma e à Cobal para rever outros amigos, mas perdeu muito a graça."

Baden Powell: "Nós fomos muito amigos mesmo. Em 56 eu tocava guitarra elétrica no bar Plaza, com Johnny Alf e Luizinho Eça. Era o barzinho da juventude da Zona Sul. Tom também trabalhava na noite e diariamente passava lá. Eu tinha 17 anos, ele tinha 22. Nós éramos uma grande família. Eu era o único suburbano, morava em Olaria. Tom tocava bem, era muito bonito e muito charmoso. Eu acho o Tom o autêntico carioca. O carioca Zona Sul, cheio de humor. O Tom era um gozador, nunca o vi de mau humor. A música do Tom é a cara da Zona Sul. Hoje em dia não tem mais esse carioca.
Tom foi um arranjador do maior bom gosto. Ele fazia arranjos inesquecíveis e por isso todo mundo queria trabalhar com ele. Ele começou a mudar as orquestrações. Fazia aquelas coisas bonitas com trompa, flauta. Transferiu o seu humor para a orquestra. Eu trabalhava muito com ele. Ele sentava ao piano, rodeado dos amigos. Perguntava: 'E esse acorde aqui, o que você acha?' E anotava no papel. Dali íamos para o estúdio gravar o que tínhamos feito. Nós íamos para São Paulo fazer o programa O Fino da Bossa. Tom acabava de fazer os arranjos de madrugada, depois pegava o carro e me apanhava. Na estrada me dizia; 'Estou muito cansado. Vou cochilar um pouquinho. Não liga não. Já estou acostumado a dormir no volante.'
Não nos víamos muito. A última vez que o vi foi há muito tempo, quando ele acompanhou um show do Vinícius e do Toquinho na França.  Fui assistir, dei uma canja e chegou um produtor  da TV francesa convidando a gente para gravar um programa juntos. Nós nos entreolhamos e cobramos um cachê bem alto para o cara não chatear mais e deixar a gente sair para tomar nosso chope. Mas ele aceitou. Fomos e ficamos uma hora e meia no estúdio. Depois, perguntamos ao produtor porque tinha aceitado aquele cachê absurdo. Ele respondeu que não sabia quando poderia reunir nós quatro num programa. E, realmente, nós nunca mais nos encontramos.
Outro dia descobri que meu filho Philip era fã de Tom. E ela não sabia que eu era amigo dele. Ele comprava discos e ficava tirando as músicas.. É uma influência forte nele, como acho que foi para todos os músicos brasileiros."

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Uma Análise do Fusion - Jornal Rock Press (1885) - 2ª Parte

"Bitches Brew vendeu 400 mil cópias, quatro vezes mais do que Sketches of Spain, o recordista de Davis até então. Muita coisa aconteceu a partir daí. O trompetista Chuck Mengione decidiu financiar um projeto seu, gravando música de jazz orientada para o pop acompanhada por material clássico ligeiro, com o concurso de Filarmônica de Rochester; o disco foi indicado para o Grammy (o Oscar do disco), em 1971, conhecendo amplo sucesso. Ironicamente, Mangione não tinha gravadora desde 1962. Seu disco Feels So God, de 1977, vendeu acima de 2 milhões de cópias. Ainda em 1971, em Los Angeles, os Jazz Crusaders eliminaram a palavra jazz  do seu nome e reviveram o estilo rhythn & blues, a música pop do público de cor da década de 40; cinco anos depois, os Crusaders tinham três discos de ouro a seu crédito. 
John McLaughlin, líder da Mahavishnu Orchestra
A Mahavishnu Orchestra tocava em salas de concerto lotadas; com o baterista Billy Cobham, a banda igualava o volume e a intensidade rítmica dos grupos de rock. Em 1973, Hancock conseguiu o seu primeiro disco de ouro com o LP Head Hunters, combinando melodias e harmonias jazzísticas com os ritmos funk oriundos da música de James Brown e Sly Stone.
Mas, o auge comercial da fusão aconteceu em 1976, quando o guitarrista George Benson transformou-se em cantor semipop no disco Breezin', que ultrapassou 4 milhões de cópias vendidas. Seus álbuns seguintes trilharam caminhos parecidos, incluindo dois que receberam o cobiçado disco de platina. Embora seja impossível mencionar todas as bandas de fusão e informar detalhadamente as suas contribuições em apenas um pequeno artigo, os mencionados Weather Report, em atividade ininterrupta desde 1971, e o Return To Forever merecem particular menção por suas extensas e ricas discografias. Os conjuntos de fusão proliferaram em todo o mundo, inclusive no Brasil, como coelhos. A fusão tomou conta do mundo, paralelamente às manifestações pop, e hoje muitos pensam ser ela a verdadeira música de jazz.
Herbie Hancock
A crescente disponibilidade de pianos elétricos, guitarras e sintetizadores, a par do maior aproveitamento dos instrumentos de percussão, em muito facilitaram a fertilidade desse cruzamento musical. A consistência da fusão, assim como o grau artístico da música, é variável, mas foi aceita de braços abertos pelo público. Ritmo, melodia e harmonia vieram do jazz moderno, do rock, soul e música pop, mas a variedade com que foram utilizados resultou em diferentes modos de expressão, e o produto final influiu no futuro do jazz. Alguns críticos questionam o grau artístico da fusão, alegando que a utilização de instrumentos eletrônicos elimina a personalidade dos músicos. Mas, o som cristalino de Corea no piano elétrico e mini-moog (um pequeno sintetizador), a criatividade de Zawinul na manipulação dos sintetizadores polifônicos e a direção inicial imprimida por Davis aos seus conjuntos refutam a tendência de que a música de fusão é desprovida de expressão artística. Certamente surgiram alguns aproveitadores inexpressivos do movimento, criando grupos em que o único propósito parecia ser o de gerar verdadeiras usinas de sons a todo volume, sem qualquer preocupação musical definida.
Outro crédito para os músicos de fusão foi o de descobrir o poderio dos equipamentos de gravação, acrescentando o que quisessem através de consoles de 32 ou 48 canais, permitindo enorme gama de possibilidades para a edição final dos seus discos, inclusive utilizando faixas pré-gravadas e eliminando o que lhes parecia supérfluo.
A fusão tornou-se lucrativa e controvertida no seu curto período de existência. Sua popularidade, segundo muitos, excedeu de longe os seus valores estéticos, sem nada. acrescentar artísticamente ao jazz, além de atrair para a sua área jovens jazzmen promissores em busca de fama e fortuna. A despeito das críticas sobre seu conteúdo artístico, é fora de dúvida que a fusão aproximou a juventude do jazz."


terça-feira, 23 de junho de 2015

Uma Análise do Fusion - Jornal Rock Press (1885) - 1ª Parte

"Com o advento do rock nos anos 50 - pela explosão inicial de Bill Haley e o impacto ocasionado por Elvis Presley - e o meteórico aparecimento dos Beatles na década seguinte, a música popular sofreu a maior transformação de toda a sua história. O rock chegou na hora certa, foi a voz de uma juventude desiludida à espera de um acontecimento marcante. Os jovens imitavam seus ídolos literalmente em tudo e por tudo, mudando radicalmente seus hábitos e seu comportamento. Uma nova era começou, e o jazz não era mais a música da mocidade."
Com esse texto introdutório, começa uma boa matéria publicada no jornal Rock Press em janeiro de 1985, sobre a criação e consolidação do "fusion" ou "jazz-rock", uma das mais importantes transformações pelo qual os dois gêneros passaram ao longo dos anos. A matéria, escrita pelo crítico de jazz José Domingos Raffaelli, trazia como título "Fusion - o dia em que o pai dormiu com o filho":
"Os jazzmen conheceram dias difíceis, refletidos na limitações do mercado de trabalho, inclusive gravações. Os concertos ao vivo diminuíam e muitos clubes noturnos fechavam suas portas; alguns mudaram de profissão, outros partiram para a Europa buscando melhores oportunidades e os mais afortunados encontraram uma vaga nos estúdios de gravação. Os que continuaram no jazz trabalhavam menos. Um deles, o trompetista Miles Davis, que sempre pautou sua carreira olhando para o futuro, buscou uma solução ao fundir o jazz com o rock, que logo ganhou o nome de jazz-rock. Ele idealizou reconquistar os jovens com essa amálgama, combinando a improvisação jazzística com os ritmos e timbres do rock. A fusão também representou uma reação à imagem predominante do jazz como uma arte elitista. 
Incorporando as formas populares daquele momento ao jazz, Miles e seus músicos semearam as bases para mudar o panorama, colhendo índices de vendas de discos e afluência aos concertos jamais imaginados desde os bons tempos das lendárias big bands da Era do Swing. A motivação comercial, por certo, não foi a única causa. Historicamente falando o jazz sempre foi uma música de fusão, no verdadeiro sentido da palavra. No início do século, os músicos de Nova Orleans tocavam uma mistura dos blues com a quadrilha francesa, a música derivada das bandas europeias, os ritmos africanizados, música espanhola e outros gêneros menos conhecidos. O compositor-pianista Jelly Roll Morton incorporou essas influências à sua música; o maestro Duke Ellington e o trompetista Dizzy Gillespie adotaram ritmos afro-cubanos a latinos em geral, e nos anos 60 não foram poucos os que aderiram à bossa nova, deixando claro que a ideia do chamado 'jazz puro' é um mito.
In A Silent Way, de Miles Davis
O início da fusão, pelo menos aconteceu com o LP In A Silent Way, de Miles Davis, gravado em 18 de fevereiro de 1969. Dentro dessa linguagem, anteriormente ocorreram esparsas gravações de fusão, como o grande sucesso The 'In' Crowd, do pianista Ramsey Lewis, em 1965, combinando o piano hard-pop jazzístico com um acompanhamento rítmico influenciado pelo rock, e o disco Goin' Out of My Head, do guitarrista Wes Montgomery, de 1967; foram registros isolados do material sem maior significação, historicamente, que não geraram qualquer continuidade. A despeito de In A Silent Way ser o primeiro, foi o álbum Bitches Brew, gravado seis meses depois pelo próprio Miles, que acendeu o estopim do movimento, contendo a verdadeira expressão da percussão orientada para o rock, com linhas de contrabaixo repetidas em ostinato e o clima gerado pelos instrumentos eletrônicos que caracteriza esse modo musical.
Miles liderou a banda e transferiu para o disco as suas ideias revolucionárias, mas não foi o único criador da música. Os bateristas Tony Williams (que depois organizou o grupo Lifetime), Jack Dejohnette (que esteve à frente do Compost, um grupo de efêmera trajetória) e Lenny White contribuíram ritmicamente para a nova versão do rock; o guitarrista inglês John McLaughlin (mais tarde líder da célebre Mahavishnu Orchestra) e  o tecladista Joe Zawinul (co-fundador do famoso Weather Report, ao lado saxofonista Wayne Shorter), que despertou o interesse de Miles pelo piano elétrico, foram também muito importantes no movimento. Outros nomes do jazz logo engrossaram as fileiras da fusão: o organista Larry Young, os pianistas Herbie Hancock (com o seu Headhunters) e Chick Corea (com o seu Return To Forever, que reuniu os brasileiros Flora Purim e Airto). Assim, Miles foi o pai incontestável do movimento, pois os líderes do Headhunters, Mahavishnu, Weather Report, Lifetime e Return To Forever foram seus músicos."
(continua)

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Erasmo, um Rockeiro sem Medo de Envelhecer (1976)

Em 1976, Erasmo Carlos lançava o excelente álbum "Banda dos Contentes", que segundo um comentário da época, "retoma a linha musical e poética lançada em Sonhos e Memórias, o elogiadíssimo disco que lançou em 1972". Erasmo já podia se considerar um veterano no cenário do rock nacional. Como a introdução da matéria destacava, "Aos 17 anos de carreira, o mais tradicional dos nossos rockeiros já não precisa correr atrás de sucesso. Tranquilo, sem medo do tempo, Erasmo garante: 'Quando a cuca vai bem, tudo corre às mil maravilhas'. Em matéria publicada no jornal Hit Pop, que vinha encartado na revista Pop, Erasmo fala do disco e de sua carreira. A matéria é assinada por Eliane Martins:
" 'Está tão difícil ajeitar as coisas/E cada vez mais, agradar a todos/Quanto mais se faz, mas fica-se devendo/E pra se viver, mais vai se fazendo.'
Quando o sucesso vem, vem por si mesmo. Erasmo já não se preocupa em correr atrás dele, em fabricar uma imagem para contentar as fanzocas, como no tempo da Jovem Guarda. A liberdade musical proporcionada pela Phonogram e a estabilidade emocional alcançada com Narinha garantem sua tranquilidade.
- Você realmente mudou, ou apenas amadureceu artisticamente?
'Mudei. Mudei para melhor. Agora não sou mais galã de jovem guarda. Não me preocupo mais com a imagem. Eu estava sufocado, agora estou mais livre.'
Depois da Jovem Guarda, a indefinição. Achava que ali era o limite, que não havia saída. Daí, pintou o Tropicalismo, e Erasmo foi tomando seu rumo. Ou melhor, retomando.
'Começaram a aparecer pessoas mais cabeludas do que eu. Então, veio o desafogo. Há 17 anos, já cantava rock na Jovem Guarda. Tudo que eu faço agora, nada tem a ver com esse tempo, apesar de sempre ter transado rock.'
Assumiu seu ritmo, suas influências, e acha que esse é o caminho.
'No fundo mesmo, estou tranquilo, numa boa. A crítica está me dando a maior força. Todo mundo está falando bem do meu trabalho.'
Sua formação, suas preferências, pedras fundamentais na construção de sua carreira.
'Chico Buarque é meu preferido. Caetano Veloso, pela simplicidade com que apresenta suas músicas. Em Gilberto Gil a diversificação e o swing. Em Jorge Ben, a espontaneidade. Dos caras de fora, me amarro no James Taylor, Bob Dylan, John Lennon, que é meu ídolo, Elton John, Paul Simon.'
Dia 18 de janeiro, fez seu primeiro show individual em 17 anos de carreira, no MAM (Museu de Arte Moderna, no Rio). As pessoas deixaram seus grilos em casa, foram curtir o som. Um verdadeiro carnaval de rock.
Segundo Erasmo, a importância do intercâmbio direto com o público: 'Há dois anos, participei de um show no Teatro Bandeirantes, em São Paulo. Foi um barato. Todo mundo dançou no palco. Isso me motivou a prosseguir com esse tipo de trabalho, que é tão simples e quase ninguém faz. Daí pintou esse último, exclusivo.'
Dá o exemplo, bota fé no rock brasileiro.
'O público está mudando ou os artistas estão melhorando. O fato é que o rock brasileiro está píntando. Pra isso, estão aí Rita Lee, o Terço e outros, enchendo os lugares onde vão cantar.'
Recebeu um convite. 'Cachaça Mecânica' e outros sucessos estavam estourando na Holanda, imaginem!
'Lá, eu fiz um especial e três programas de televisão. Deixei engatilhados outros sucessos: O Comilão foi um deles. Cachaça Mecânica foi lançada este mês na Suíça, e a divulgação já está a caminho de outros países da Europa.'
O sucesso pinta sem ser procurado. Vem por si mesmo. Um flashback musical: trilhas sonoras para as novelas 'O Bofe', 'Pigmaleão 70', 'Rock Santeiro' e 'Despedida de Casado', as duas últimas proibidas pela censura. Em teatro, compôs para 'A Vida Escrachada de Baby Stompanato', peça estrelada por Marília Pera e Marco Nanini. No cinema, transou músicas para 'Diamante Cor-de-Rosa', '300 Km por Hora', 'Os Homens Traem e as Mulheres Subtraem', e 'Os Machões'.
Seu último LP: 'Banda dos Contentes', não é redondo, fechado, nem sufocante. É um trabalho livre, aberto, de um rock muito simples, girando em torno de um mundo real. Pode-se criar em cima dele.
'Meu disco anterior, 'Projeto Salva Terra', falava de sonhos e memórias. 'Banda dos Contentes' é uma continuação, só que esse mundo agora está alicerçado, não está solto no espaço. 'Contente', aqui, é uma antítese, fala do cara que pensa ser feliz. E 'Banda dos Contentes' é também o título do meu livro, que deve ser lançado em julho'.
Cinco músicas do novo LP foram incluídas no repertório do show que vai ser levado por várias capitais do Brasil: 'Filho Único', 'Análise Descontraída', 'Queremos Saber', de Belchior(*), e a própria 'Banda dos Contentes'.
A linha mais simples de um cara que assume seus conflitos, sua eterna dúvida entre o bem e o mal. Um rockeiro que vem resistindo a todos os tempos e contratempos. Que já esteve muito no alto e parece estar sempre recomeçando.
'Quando a cuca está bem, tudo vai bem. Esse é o ponto de partida, sem medo do tempo.' "

(*) A música "Queremos Saber" não é de Belchior, mas de Gilberto Gil. A música de Belchior que Erasmo gravou em Banda dos Contentes é "Paralelas"

domingo, 21 de junho de 2015

Jorge Ben - Jornal de Música (1975) - 2ª Parte

"Já foi dez vezes à Itália. Apresentou-se inclusive no Teatro Sistina, um, vamos dizer, 'templo' da música italiana. No Japão, em 72, foi o desbunde. (Ouvi a fita 'ao vivo': a Phonogram deveria lançar imediatamente). Acompanhado do Trio Mocotó, Jorge ia e voltava pelo repertório, inventando ritmos internos às catadupas, de música em música. Na França também esteve várias vezes, mas a última, depois do Midem deste ano, foi incomparável: 'Rapaz, o rádio do carro tocava minha música, eu ouvi. Cantei no Teatro Champs Elisées, um teatrão enorme, daqueles de três andares. Olhava e via no fundo aquelas cabecinhas. Como tinha gente! Nas filas da frente, o ingresso custava mais caro, então aparecia aquele pessoal cheio de joias, capotes, peles. Lá pelo meio do show, tirei uma daquelas damas pra dançar. No dia seguinte, elas fizeram uma fila pra sambar comigo'. De duas noites programadas, Gil fazendo o primeiro show, Jorge o principal, ainda houve uma terceira apresentação, nesta Jorge sozinho. Na televisão, no programa de Gilbert Becaud, recomendaram a ele que cantasse 'Brother', uma faixa de seu último LP 'A Tábua de Esmeraldas', despercebida no Brasil: 'ela está no hit-parede francês'. Também um pout-pourri ('Taj Mahal/País Tropical/Fio Maravilha') virou parada de sucesso. Mas, as histórias tanto da agora parisiense 'Brother', quanto da ainda noviça 'Meu Glorioso São Cristóvão', do álbum duplo, se parecem em singeleza. A primeira nasceu de audições de gospels, 'aquela música de igreja daqueles negros, da Mahalia Jackson, louvando Deus'. A segunda, da devoção de Jorge Ben por São Cristóvão, imagem reproduzida num escudinho de seu carro, e oração que ele carrega sempre no bolso: 'Meu Glorioso São Cristóvão/meu glorioso mártir'. Jorge respeitou o texto original em algumas partes, em outras (sobre a música fluente de um esplêndido blues), colocou 'coisas modernas', como 'pelos caminhos de terra/subterrâneos/mar e ar', querendo abranger, como ele mesmo diz, em 'Tábua de Esmeraldas', o espaço de todas as conquistas humanas.
Da França, Jorge Ben escalou em Bruxelas, na Bélgica. 'O trem era o mesmo', mas de repente entraram aqueles caras de farda, falando schhaus, chois, raulski, rels, parecia da Gestapo. Aí eu notei que tinha mudado de país. Cheguei no teatro, pensei: deve vir umas cinquenta pessoas. Brasileiros com saudade e uns caras daqui, curiosos - e não vão entender nada. De saída, o técnico de som já foi enchendo de microfones os instrumentos. Uns cinco dentro da bateria. Eu falei pro baterista, o Luís Carlos, vai devagar aí, senão estoura tudo. No amplificador da guitarra, dentro da caixa, mais dois. Pensei que aquilo ia ficar apitando o tempo todo. Mas, na hora certinha do show (lá eles nunca começam atrasado), o teatro tava lotado, e o som não furou uma vez. Tudo em cima'.
 Vencedor de todas essas distâncias geoculturais Jorge Ben não transpira qualquer estrelato. Sabe que depende do mercado americano um sucesso internacional definitivo. Já fez o mais difícil: colocou umas quatro composições entre as mais vendidas ('Mas que Nada', com Sérgio Mendes. 'Zazueira', com Herb Albert, 'Nena Naná', com Jose Feliciano, 'Chove Chuva', com Sérgio Mendes) e executadas nos EUA. Ainda falta sua presença física, uma travessia que ele vem adiando há pelo menos uns sete anos. No Brasil, em 69, Herb Alpert disse que Jorge era bobo de não aproveitar a época; - 'ele poderia ocupar hoje, tranquilamente, o lugar que Jose Feliciano tem no mercado latino dos Estados Unidos'. Quando esteve lá pela primeira vez, em 65, com Sérgio Mendes, Marcos Valle, Wanda Sá - o Brasil 65 - porém, mesmo trabalhando, Jorge Ben não deixou de reverenciar seu ídolo, Little Richard, no Apollo Theatre, do Harlem. Há dois anos quando cantou no Waldorf Astoria -  correu ao Madison Square Garden para ouvi-lo de novo. - 'quanto mais velho ele fica melhor'.
Este ano, dois contratos, 'um razoável e um muito bom' convocam de novo o criador do rhtthm & blues (uma fusão, por exemplo, de samba e rock) brasileiro ao superestrelato internacional. Esta conquista final, capaz de acotovelar tantos outros sub ou semi-astros, parece, pouco preocupá-lo, na verdade. Definitivamente, a carreira musical de já 12 anos, trouxe apenas conforto, ao peladeiro de futebol de praia, ao papeador fiel da turma de rua, ao fanático ouvinte de música. Mais fácil mudar de comportamento o rock; 'reparou que ele está perdendo aquele suíngue, perdendo o ritmo?' "

sábado, 20 de junho de 2015

Jorge Ben - Jornal de Música (1975) - 1ª Parte

Em 1975 o Jornal de Música, que na época vinha encartado na revista "Rock, a História e a Glória" trazia uma matéria com Jorge Ben, assinada por Tarik de Souza. A matéria, intitulada "Jorge solo e (bem) acompanhado" falava dos shows internacionais de Jorge Ben e também do disco que ela havia recentemente gravado em parceria com Gilberto Gil. Abaixo, a transcrição da matéria:
"O primeiro encontro foi por volta de 64, 65. Jorge Ben, artista famoso, encarou a Concha Acústica em Salvador, e recebeu a família Veloso - todos admiradores - no camarim. Com ela, um compositor de jingles, um certo Gilberto Gil, explicou que formavam um grupo e estavam se apresentando nos teatros locais: Gil, Caetano, Maria Bethania, Tom Zé, Gracinha, aliás Gal Costa, Tuzé de Abreu, Perinho...
Já em São Paulo, em 68, o grupo no auge do êxito, Jorge Ben e Gilberto Gil trabalhavam com o mesmo empresário, Guilherme Araujo, e frequentavam o mesmo programa, 'Divino Maravilhoso'. 'Era muito bom, porque não tinha patrocinador e eles deixavam a gente à vontade', conta Jorge. Fernando Faro, o produtor, um dia teve a ideia óbvia. Virou-se para a dupla, cada um empunhando um violão mais afiado: 'cês têm dez minutos de programa. Façam o que quiserem.' E assim foi feito, com a música 'Sai de Mim, Mulher', do Jorge. Dez minutos, enfim sós, afinados com uma linha musical mista de blues, samba, desafio nordestino, rock, baião, muito tudo.
No fim do ano passado, começaram os boatos. Agora firmes, consagradíssimos e incontestáveis, aceitos de A a Z, com toda a potência, os dois supercriadores iam se reunir de novo. Ao vivo, no Tuca, de São Paulo. Mas, uma laringite, conta Jorge, impediu a soma. Num jantar na casa do diretor da gravadora, André Midani, estavam Jim Capaldi e Cat Stevens de ídolos internacionais e Jorge Ben e Gil como anfitriões do som nativo. Deste reencontro surgiu o embalo para imediata gravação, enquanto os ingleses abriam suas bocas de espanto, e acompanhavam uma explosão sonora para eles incompreensível: - 'Puxa, se tivesse uma folguinha amanhã no estúdio, hein?'. Gil e Jorge em coro.
Gil e Jorge
Claro, apareceu o espaço na programação lotada da gravadora. Na primeira sessão, a dupla já mandou três faixas inteiras, prontinhas. Cat Stevens entrou de piano numa outra, mas dançou. Com o ritmo e o resultado: 'Tinha ficado boa, era um tema do próprio Cat, mas a gente tocava, tocava, três horas de estúdio e o homem achava que não era bem assim'. Problema dele. A fita está lá, pode sair algum dia, mas o álbum duplo 'Gil e Jorge' entra e sai da prateleira das lojas agora, com impressionante rapidez. 'Muita coisa ficou de fora', conta Jorge, enquanto ajeita-se sucessivamente na poltrona do apartamento de seus pais, em Copacabana. (É avesso, percebo, às racionalizações de pergunta-resposta das entrevistas. Fica incontrolavelmente agitado, quando é forçado a colocar os lances que acontecem e ele, numa linha lógica. Tem ritmo no corpo: gosta de pular, assunto em assunto, sempre por perto de futebol e música, suas paixões eternas).
'Aquela última faixa, 'Sarro', levava uns dez minutos. Sei lá, acho que não coube. A gente foi compondo na hora. Tinha também uma só de ritmo. Eu no atabaque, Wagner, o baixista, no ganzá, Gil tocando numas cuias, mas também não entrou'. A mais louca faixa do álbum duplo nasceu por acaso; 'Gil brincava com um teminha terminado em 'béba/bé-ba/béba' e eu fiquei fazendo contracanto no bordão, 'djuro/djuro/djuro'. O Caetano apareceu e achou legal. No dia seguinte, o Gil veio com a letra pronta de 'Jurubeba', uma beberagem lá do nordeste, um xarope'.
 Gil, boa parte do tempo, empunhou uma guitarra Gibson, acústica, Jorge preferiu seus dois violões, um Gianni e um Di Giorgio, à costumeira Ovation, uma guitarra-violão de fundo encurvado. Os cuidados eram para que o som não embolasse, muita eletrificação (ainda havia o canal do baixo elétrico) podia diminuir a força do ritmo, soberano absoluto do encontro: Djalma, percussionista baiano recém descoberto (e pronto para suntuoso lançamento em carreira individual), seguia tudo, com  a competência dos que conhecem os ritmos e respectivas fronteiras: 'Ele tem uma vassoura, que dá um som de explosão, nuns tambores. Toca em dois pinicos, pinico mesmo, toca num instrumento africano chamado kalimba, que tem que enfiar o polegar pra sair som. E ainda nos crótalos, nos ganzás, atabaques, bongôs, ô caramba...'
(O som dificilmente pode ser verbalizado, para Jorge Ben. Nem ele tem essa teoria. Mas, conversando, usa o máximo de ruídos. Se estivesse perto de qualquer instrumento, prefere imediatamente demonstrar o que ia dizer. Num toque desses, pode terminar uma entrevista: quem teria coragem de interromper a escola de samba, o conjunto de rock, o bloco de frevo, que saem de suas mãos?"
(continua)

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A Primeira Vez que Eu Li Sobre Itamar Assumpção - Jornal Canja (1980) - 2ª Parte

"Mas, acreditando que agora o sucesso está mais perto, ele segue na batalha. Compondo, fazendo arranjos e indo e vindo todos os dias da Penha (onde mora) ao Butantã, à casa de Randó, o guitarrista que o acompanha há dois anos. São quilômetros e quilômetros que Itamar enfrenta diariamente de ônibus.
Mas Itamar encara essa situação toda com o pique do artista. Diz que o seu objetivo é fazer música para essa gente que anda de ônibus mesmo. Música simples, fácil de entender, mas sem nenhuma apelação, sem deixar cair o nível. Por enquanto não conseguiu. O pessoal que ele cruza nas filas dos pontos de ônibus da Estação da Luz está noutra. Mas ele acredita que a situação vá mudar. Suas letras têm uma nítida preocupação social. Um reflexo de São Paulo, da barra pesada da cidade, principalmente quando observada do ponto de vista da própria Estação da Luz. Mas não há nada de muito direto, pois ele não acredita na música panfletária. Em Nego Dito, por exemplo, faz do seu jeito, referência à repressão policial, através de um cara cuja 'boca espuma de ódio' se alguém chamar a polícia. Isto tem a ver com um fato que ele costuma observar sempre, nos ônibus lotados: 'quando entra um policial, pela porta da frente, todo mundo, até o motorista, evita falar com ele.'
Suas composições, porém, não têm nada de solene, grave. A crítica de Itamar se expressa através da ironia, do sarcasmo, do sarro. Como nesta passagem de Peço Perdão: 'Quem sabe um dia posso ser sócio de um homem de negócio'.
Há também em sua música espaço para cantar a paixão de um jeito moderno, sem pieguice, como nestes versos de Fico Louco: 'Eu quero ver você curtindo/o reggae deste rock comigo/Eu quero ver você dizendo/que gosta de viver no perigo...'
O que ele transa solenemente é a elaboração musical nos arranjos que desenvolve junto com o guitarrista Randó e o baterista Paulinho Barnabé. Randó escreve todo o trabalho que desenvolveram e às vezes uma só música pode demorar semanas para ficar 'apresentável', mesmo depois de composta.
Essa mania de buscar a perfeição em tudo leva Itamar a esculhambar a maioria dos jovens músicos que têm pintado nos últimos tempos. Em uma imagem irônica, o jovem que sai de casa, com um violão debaixo do braço, desejando tomar parte do primeiro festival que aparecer pela frente, esperando sucesso imediato.
Seu lance é outro e ele acha que todo mundo tem de fazer como ele, que deu um duro danado pra aprender a ouvir música, compreender profundamente a sua linguagem, a forma de expressão dos maiores talentos, os ritmos.
Itamar diz ter aprendido esse grande segredo de ouvir com Jimi Hendrix. Diz que foi muito difícil, pois Hendrix não seguia aparentemente nenhuma técnica e a primeira impressão de seu som é que não tinha pé nem cabeça. Mas quando começou a perceber que era o contrário disso, acreditou ter achado a chave. E é com ela que, há quase oito anos, vem tentando abrir uma porta."

quinta-feira, 18 de junho de 2015

A Primeira Vez que Eu Li Sobre Itamar Assumpção - Jornal Canja (1980) - 1ª Parte

Em 1980 o movimento que ficaria conhecido como "Vanguarda Paulista" começava a se esboçar, e alguns nomes já ganhavam um certo destaque. Arrigo Barnabé já chamava a atenção pra seu trabalho, e outro grande nome do movimento, Itamar Assumpção, ainda era um desconhecido que já chamava a atenção para seu trabalho, ainda sem um disco lançado. Lembro que a primeira vez que li algo sobre ele, foi no jornal quinzenal Canja, em outubro de 1980. Na matéria, assinada por José Américo Dias, ele é chamado de "O Hendrix da Vila Madalena". Inclusive na foto que ilustra a matéria, reproduzida acima, Itamar aparece em uma pose lembrando o guitarrista americano. Creio que foi a única vez que Itamar é associado a Hendrix, talvez por uma certa semelhança entre os dois na citada foto. Pouco tempo depois o nome de Itamar já começava a ganhar a mídia, principalmente após o lançamento de seu primeiro disco, "Beleléu, Isca de Polícia". O resto é história. Abaixo, a matéria:
"Para Tetê e o Arrigo Barnabé, ele é o máximo. Para o maestro Rogério Duprat, um dos melhores da nova geração. Para os gatinhos e as gatinhas que curtem música na Vila Madalena, 'um cara tão incrível, que lembra Jimi Hendrix'. Para ele próprio, um músico de talento que mais cedo ou mais tarde vai conseguir 'abrir uma brecha no esquema musical das gravadoras e fazer sucesso'.
Não. Não. Não estou falando de nenhum garoto que acaba de pintar. Falo de Itamar Assumpção, um cara de 30 anos, casado, pai de duas filhas e já com mais de sete anos de batalha só em São Paulo. Nestes anos todos nunca conseguiu gravar um disco e, muito menos, realizar o sonho que jamais abandona: conquistar um espaço nas rádios, de preferência na faixa AM, mais ouvida pelo povão.
Acredito que poucos teriam aguentado uma barra dessa. Ou, pelo menos, não tivessem mudado a linha de trabalho. Mas este negro de 30 anos, magro, cara de intelectual, fala mansa, cantor, letrista e contra-baixista, é osso duro de roer. Ainda bem. Pois quem teve a chance de vê-lo tocando em uma das quatro apresentações que fez no Teatro Lira Paulistana, em São Paulo, deve ter chegado perto do desbunde.
 É difícil enquadrá-lo num gênero musical determinado. Sua música traz elementos do rock, do reggae (a percussão, principalmente), mas de repente fica até com jeito de samba. Com balanço a tudo. Às vezes até com breques gênero Moreira da Silva. Coisa de louco.
Antes das apresentações no Lira Paulistana, Itamar havia dado o ar da sua graça raras vezes. Falta de chance, segundo ele. Porque ligadão na música ele sempre esteve. Aliás, há três anos que não faz outra coisa. Em 77, abandonou o seu último emprego fora da música, emprego temporário de entregador de impostos. A mulher, funcionária dos Correios, aguentou as pontas daí pra frente, pois a música na vida de Itamar ainda não serviu para faturar os cobres tão necessários à sobrevivência.
Em maio deste ano, ele venceu o Festival de Música Popular da Vila Madalena, com Nego Dito, música e letra dele. Participou de um disco com as melhores músicas do Festival, lançado pela Continental, e a partir disso conseguiu melhorar um pouco as coisas para o seu lado. Vieram alguns convites para shows, algumas participações ao lado de Arrigo Barnabé e Banda Sabor de Veneno, e a possibilidade de gravar um disco, com apoio do Gordo, dono do Lira Paulistana. Os quatro shows do mês passado no Lira foram gravados  em fita, mas a sua transformação em disco é coisa para o futuro. Itamar não tem certeza por enquanto."
(continua)

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Um Guia para o Clube da Esquina - Jonal do Disco (1980) - 3ª Parte

"Tavinho Moura/Como Vai Minha Aldeia (RCA, 1978) - A voz menor e mais retardatária do Clube é este vencedor de festivais locais, que apareceu de forma controvertida, assinando o 'Calix Bento', que Milton gravou no LP Geraes (e que se baseia largamente num tema de Folia de Reis, como aliás indica, com clareza e honestidade, o encarte deste LP). Sua estreia individual é a mais marcadamente mineira de todo o Clube - o mundo entra por essa janela fechada com dificuldade, em raros raios. Tudo aqui fala de Alterosas, cidades-castelo, infância perdida, inocência ultrajada. É um álbum saudoso, às vezes de uma beleza estranha, peculiar, difícil de ser de ser curtida por gente apressada ou beira-mar. Produção pouco inspirada e voz sensaborona ocultam algumas gemas - como 'Cruzada', que Beto Guedes fez explodir adiante, em seu último álbum ('você parece comigo/nenhum senhor te acompamha/você também se dá um beijo/dá abrigo' - letra de Márcio Borges).
Nivaldo Ornelas/Nivaldo Ornelas/MPBC Philips/Polygram, 1978) - Quando Milton chegou a Belzonte, já encontrou Nivaldo trabalhando na noite e agitando nos clubes de jazz & bossa nova da cidade com seu sax (e, eventualmente, flauta e clarineta). Mas foi só a partir do Milagre dos Peixes (em 73) que esse sopro-assinatura pôde ser ouvido no Rio e em São Paulo, onde Nivaldo trabalhou com muita gente, além de Bituca, Hermeto e Egberto, por exemplo. Sempre compôs. Mas tímido, esperou o Projeto Trindade, em 76, para revelar publicamente essa faceta, assinando um dos melhores temas do filme/disco, 'Memórias de Minas' (LP Tapecar, Trindade/Curto Caminho Longo, 1978). A estreia solo, na série Música Popular Brasileira Contemporânea, não mantém todo o fôlego do tema, e dá saudades do Nivaldo músico, sem dúvida acima do compositor. Contudo, é dos melhores exemplares do primeiro pacote MPBC, e tem pelo menos um tema de real interesse - 'As Minas de Morro Velho'. O Clube está em peso: Wagner, Toninho, o velha-guarda Helvius Vilela, Paulinho Braga, Jamil Joanes.
Wagner Tiso/Wagner Tiso (EMI-Odeon, 1978) - Outro disco-surpresa, mas nem tanto, para quem já vinha acompanhando as evoluções wagnerianas dentro e fora do Som Imaginário. Projeto acalentado e burilado durante anos, o álbum se assenta sobre sequências cinematográficas de som, em torno da suíte 'A Igreja Majestosa/Os Cafezais Sem Fim', no lado 1, e a sucessão de temas 'Rapsódia Trespontana/Monasterak/Zagreb', no lado 2. Massas orquestrais, coro, pianos exatos e uma guitarra apuradíssima de Otávio Burnier eclodem e desaparecem por mágica, deixando o ouvinte sem fôlego, maravilhado. E ainda há o refresco mineiro, anedótico, de 'Seis Horas da Tarde/Mineiro Pau', duelo de sanfonas com Milton em memória dos tempos dos W's Boys, o grupo de baile de Três Pontas e Alfenas, onde a história do Clube começa a ser contada.
Beto Guedes/Sol de Primavera (EMI/Odeon, 1979) - A capa é o mesmo selinho que aparecia num encarte do primeiro disco. O rótulo do disco é sol, infantil e esborrachado, num canto da capa. Augúrios, sinais. Beto eleva e potencializa o que esboçou na Página, incorpora a voz sem perder seu veludo próprio e faz um disco onde o habitual perfeccionismo chega ao auge, e tudo está onde deveria estar. O que mais dizer? É seu melhor LP, e um dos mais belos de todo o Clube. Um disco repleto de luz e de esperança, bom sinal para um início de década. Viagem à parte: a retomada da longuíssima versão de 'Norwegian Wood', de Lennon/McCartney, com Bituca e Beto nos papeis principais.

Lô Borges/A Via Láctea (EMI/Odeon, 1979)  - Uma capa estranha e bela dá o tom exato - nosso diabo em férias desceu das Gerais e está aprontando de novo. Sete anos depois, este é um disco que lhe faz justiça, e onde o jovem estreante (já que o primeiro não valeu) pode dar-se ao luxo de olhar pra trás e reler coisas como 'Tudo o que Você Podia Ser' e 'Clube da Esquina nº 2'. O clube comparece - Wagner, Toninho, as letras de Márcio Borges - e Lô despenteia suas visões raivosas ('onde foi parar a cuca dos caras/que aguentaram a barra/de lutar por nossas ruas' - 'Nau Sem Rumo') ou ternas ('nisso eu escuto no rádio do carro a nossa canção/sol girassol e meus olhos abertos pra outra emoção' - Vento de Maio). No meio do garimpo, uma pedra nova - Fernando Oly, que assina um mini hit de férias, na linhagem de 'Lumiar' - 'Chuva na Montanha'.

 Wagner Tiso/Assim Seja (EMI/Odeon, 1980) - A pressa sempre foi inimiga dos mineiros, e, aqui, quase derrubou Wagner. Oito temas, mas apenas três trabalhados exclusivamente para o projeto: 'Sete Tempos', 'Joga na Bandeira' (a vertente chão de Wagner) e 'Chorava', instigante evolução sobre motivos de choro. Os outros cinco são material antigo retrabalhado ('Alegro/Tragicômico, sua participação no Trindade, 'Assim Seja' do repertório dos W's Boys com letra nova de Fernando Brant) ou aproveitamento de seu trabalho como arranjador ('Bela Bela', de Milton sobre poema de Ferreira Gullar; 'Vinheta do Medo', extraída do 'Medo de Amar é o Medo de Ser Livre', de Beto Guedes). Os resultados são previsíveis - já não há mais surpresas para o ouvinte, em que pese o gabarito de Wagner como criador e arranjador.

Toninho Horta/Terra dos Pásaros (EMI/Odeon, 1980) - O malsinado álbum solo de Toninho, três anos para ser feito, milhões investidos na produção. O LP se ressente dessa bagunça, e Toninho não é nenhum cantor. Mas, como base de um futuro projeto de carreira individual, é muito bom. Principalmente depois da palidíssima estreia no pau-de-sebo, em 73. E tem canções memoráveis: 'Pedra da Lua' (com Cacaso), 'Viver de Amor' (aqui, instrumental) e a melhor faixa do disco, cheia de surpresas - 'Diana' - letra de Fernando Brant."
Ao final da resenha dos discos, há uma nota da jornalista que informa:
"Todos os discos mencionados estão em catálogo - portanto, disponíveis nas lojas. Quanto a Naná, tem um disco individual pela Philips, Amazonas, de 73 - mas está fora de catálogo. Como também o álbum Posições, que apresenta o grupo A Tribo (Joyce/Toninho Horta/Nelson Ângelo/Novelli) ao lado de três outros grupos (Odeon, 1971)"

terça-feira, 16 de junho de 2015

Um Guia para o Clube da Esquina - Jonal do Disco (1980) - 2ª Parte



“Beto Guedes/Danilo Caymmi/Novelli/Toninho Horta (EMI/Odeon, 1973) – Espécie de pau-de-sebo sofisticado (pau-de-sebo, no mundo do disco, é aquele LP, em geral de artistas da chamada ‘faixa popular’, que reúne vários estreantes, cada um com uma faixa. Quem ficar, ficou – e ganha um contrato melhor, individual). Esta obra a oito mãos acabou derrubando os quatro. Como previram – imprensados em torno de uma privada, num cubículo de sanitário – eles estavam jogados, na melhor das hipóteses, às baratas. Nenhuma chance de mostrar qualquer coisa mais ampla, mais consistente: o carioca Danilo ficou com duas faixas, ‘Ponta Negra’ e a belíssima ‘Serra do Mar’ (e flautas em quase todas as outras), assim como o pernambucano Novelli, - ambos são alguns dos não-mineiros mais assíduos do Clube da Esquina. Toninho também mereceu duas – e a ambiciosíssima ‘Manuel, o Audaz’, andou tocando nas rádios undigrudi do Rio, por uns tempos, Beto Guedes preencheu sua quota com maestria – e me pergunto como não ouviram que ali, naquela fusão inédita de Beatles e Montes Claros, naquela voz peculiar e inclassificável, estava um trunfo certo. Bastava ouvir ‘Belo Horror’ – minisuite (como se gostava disso, nos idos de 72/73!) de amor e ódio a Minas  Gerais.
Som Imaginário/Matança do Porco (EMI/Odeon, 1973) - A derradeira encarnação do Som Imaginário (em disco) - Wagner, Tavito, Robertinho, Luiz Alves - é, na verdade, o primeiro grande projeto de Wagner Tiso. Suas são todas as faixas - e o disco respira o seu clima intrincado, nas surpresas que extrai das massas de instrumentos, a tapeçaria dos andamentos múltiplos, caprichosos. É um disco fora do seu tempo - adiante dele. Pode ser ouvido agora, sem susto, mesmo pecando na qualidade de som (como se demorou a acertar estúdios e mixagens, no Brasil!). Tem participações fantasma (não anunciadas na capa) de Toninho Horta e Fredera, todas com muita distorção pro meu gosto, assimétricas no desenho rigoroso dos arranjos de Wagner. Com suas obsessões - a valsa 'Armina' retomada quatro vezes ao longo do disco, estilhaçada e refeita; o tema da 'Nova Estrela' recomposto em duas leituras, 'A nº 3' e 'A nº 2'. E um arrepio - o 'Bolero', onde a voz de Milton, quase anônima, dança como mais um instrumento.
Beto Guedes/A Página do Relâmpago Elétrico (EMI/Odeon, 1977) - O disco-surpresa de 77, cumprindo todas as promessas anunciadas há quatro anos. Voz improvável e pessoal - que andaram comparando, idiotamente, a Ney Matogrosso - Beto fez uma estreia de acordo. Estreia mineira, trazendo um tipo de repertório fora dos circuitos habituais, música (ainda) com jeito de estrada, montanha, chuva na mata. Decantação de uma síntese antiga e amorosa, do bandolim e serestas de Seu Godofredo Guedes aos  Beatles e tudo mais. Notável participação de Flávio Venturini como músico ('Chapéu de Sol', 'Choveu', 'Bandolim') e compositor (a inesquecível 'Nascente', letra de Murilo Antunes). E, de quebra, um saboroso sucesso de férias: 'Lumiar' (letra de Ronaldo Bastos, mais uma adesão carioca ao Clube).
Beto Guedes/Amor de Índio (EMI/Odeon, 1978) - O primeiro sucesso comercial de Beto é, justamente, seu disco mais fraço. Material desinspirado, andando em círculos, repetitivo. A voz está um sopro, lutando contra uma mixagem esquisita, onde as luxuosas orquestrações de Wagner parecem querer derrubar, a todo instante, os frágeis fios de canção. De notável, uma parceria insólita - 'Luz e Mistério', com Caetano Veloso. (Cumpre-se o canto: 'da Bahia a Minas/estrada natural').
(continua)