Palavras Domesticadas

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domingo, 24 de março de 2013

Jorge Ben Fala de Alquimia - 1974 (Parte 3)

"Maciel - Agora, quer dizer, você se interessou por esse assunto a vida toda, desde garoto?
Jorge - É, desde garoto eu gostava disso.
M - Mas isso é uma coisa, por exemplo, que ninguém sabia. Quer dizer, você nunca tinha falado, você já tinha utilizado pra música, e você nunca falava muito disso.
J- Desde garoto eu sempre fui muito ligado, sempre gostei, mesmo sem saber antes dos vitrais, eu sempre me amarei em vitrais de igreja, juro. Eu fui quase seminarista, gostava do som da igreja, e gostava daqueles vitrais, achava lindo, entendeu?, olhar aqui no Brasil. Depois nos livros de alquimia eu vim saber que nos vitrais tinha coisas lindas todas, entendeu?...
M - E a decisão de fazer música com o assunto, veio porque você descobriu que a música também era importante na alquimia?
J- A música era importante na alquimia. Porque eu descobri - nos livros conta - que o alquimista tinha o próprio músico dele, que trabalhava junto com ele no laboratório. O músico que era ligado em alquimia, tocava seu alaúde.
M - A música era um elemento daquela transmutação química que estava sendo feita.
J - Isso. E eu achei bacana, e eu tentei fazer a minha música, a minha alquimia musical.
M - Pegou o laboratório do alquimista, onde a música funcionava como, o que um químico chamaria, catalisador; usando os elementos sonoros para movimentar...
J - ... pra movimentar. E ele também, ele também devia ser um alquimista, que ele escreveu as fórmulas, punha no papel sobre música, que tocado - o cara que entendesse de música - sabia da fórmula, então anotava várias fórmulas.
Na alquimia, também, os sopradores, que não eram os alquimistas - também tiveram muito valor, porque tentando fazer a pedra filosofal, eles misturavam tanta coisa, que descobriram ácido, água régia, entendeu?, descobriram mil coisas. Bottger, o que descobriu a porcelana, tentava fazer a pedra, porque ele ganhou um pó de um alquimista que gostou dele, que achou que ele era um boticário. então quando acabou ele não sabia fazer, então ele ficou preso numa torre de um castelo, porque o rei falou - 'Pô, esse cara é alquimista, vai ter que fazer ouro, senão, não sai daqui'. E ele misturou tanta coisa que um dia descobriu a porcelana, entendeu?...
M-  A química se desenvolveu de alquimia mal sucedida
J - A química se desenvolveu muito nesse negócio. Por exemplo, o banho-maria, que todos nós usamos agora, que nossa mãe usa, o banho-maria foi descoberto na alquimia. Veio de uma judia que se chamava Maria, por isso é que é designado o banho de Maria. Ela é que descobriu a maneira de esquentar o recipiente sem usar direto o fogo, ao banho-maria, ao fogo brando, viu... essas transas todas.
Solta o Pavão, de 75, também fala de alquimia em várias músicas
M - E as músicas? Qual foi a primeira que você fez?
J - A primeira que fiz foi 'Os Alquimistas Estão Chegando', depois eu fiz a do Hermes Trimegisto e a música do Paracelso.
M - E a letra do 'Hermes Trimegisto' você pegou a tradução do Fulcanelli.
J - Da tradução do Fulcanelli.
M- E aí você mesmo ajeitou os versos?
J - É, ajeitei os versos. Porque do jeito que tá traduzido é um pouco obscuro. Esse livro que eu tenho é um livro português, já tirado do latim pro português, do jeito que o Fulcanelli traduziu. Então ele é muito... não dá pra entender, ele é muito obscuro. Então eu ajeitei mais ou menos, mas sem perder a continuação do que ele fez, da tradução do Fulcanelli.
M - Na gravação uma das coisas que eu mais gostei é porque a música parece que esclarece mais ainda a tradução, reage com a letra, dá ênfase nas partes importantes, repete certas coisas.
J-  Graças a Deus eu fui muito feliz na música que eu botei, que eu queria fazer uma música... que fosse quase igual a do tempo, entendeu?, da tradução, que pudesse encaixar, e aí consegui...
Quer ver, há um caso interessante do Nicolas Flamel, ele é casado, foi casado. Essa viúva dele, que é uma viúva rica, foi Dame - o nome dela, Terremeli - já era viúva de dois maridos. Então, isso me inspirou aquela música 'O Namorado da Viúva. (canta) 'O namorado da viúva passou por aqui...'
M -  É tanbém música de alquimista.
J-  É, de alquimista, de Nicolas  Flamel. E aquela outra - 'Errare Humanu Est', também tem umas transas com os alquimistas, mas assim mais moderno, aproveitando o negócio dos deuses astronautas, entendeu?, 'Errare Humanun Est'. Eu continuo agora também fazendo música assim.
M - Quer dizer, você continua na linha...
J - É, eu continuo também.
M - Aproveritando temas...
J - ... aproveitando temas também. Eu achei válido e eu fiquei contente aqui, quando eu mostrei o meu trabalho, porque eu gostava, pra mim, eu acho que tava bom. Mas quando eu mostrei o trabalho aqui, mostrei aqui na Phonogram aos produtores, Paulinho Tapajós, mostrei pro Menescal, houve aquela... entendeu?. É um disco assim, meio difícil, entendeu?, tava fugindo do que eu já tinha feito.
Fulcanelli
M- Tava parecendo muito esotérico demais, de repente.
J- De repente, eu fiz um disco assim, porque sempre fiz disco fácil, músicas assim, bem água com açúcar. Aí, eu fiz um disco meio fechado, um disco hermético, e os caras - poxa...
M - É um disco que tem uma unidade todo ele.
J -  Logo a capa também. A capa. Mas aí houve uma reunião e a companhia aceitou, achou que era bacana, que era a hora mesmo de eu fazer um disco assim. Então me senti satisfeito.
M - E deu muito pé, deu muito certo. Vendeu muito bem, inclusive. Criou um interesse.
J - Criou um interesse, quer ver: eu tenho feito shows aí, rapaz, é incrível, todo mundo canta junto. Cantam junto - 'Eles são discretos e silenciosos, moram bem longe dos homens', pô, mas é bacana, rapaz. Cantam juntinho, se ligam. A moçada se liga mesmo. Eu achei muito bacana. Achei uma vitória.
M - E você transou toda essa sozinho?
J - Sozinho. Sozinho mesmo.
M - Você estuda sozinho?
J - Sozinho, mas enfim... se encontrar um cara que goste... Já tive contatos assim, mas só de conversa, nunca tive um cara também que gostasse, pudesse estudar junto, pudesse falar.
M - E tudo então, a ideia do disco...
J - Tudo sozinho. Agora depois do disco ter saído é que eu vi muita gnte que já... Já conhece várias pessoas que gostavam., porque achavam que ninguém ia entender. Agora muita gente já fala comigo sobre isso, já conversam, entendeu?... e acha que deve fazer mais, continuar, que é uma boa. Eu acho que valeu.
M - Eu também acho, tanto é que estou fazendo esta entrevista aqui com você."

2 comentários:

  1. Não sei nem como agradecer essa postagem.

    Admirador de Jorge como sou, fanático por sua obra, sub-estudante de alquimia. Enfim. Um obrigado ultra sincero é o que resta dessa leitura.

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  2. Obrigado pelo comentário, caro Helder. Fiz questão de transcrever essa entrevista na íntegra, pois é o melhor material de Jorge Ben sobre o assunto alquimia. Muita coisa ficou esclarecida. Também sou um grande admirador de Jorge Ben.
    Um abraço

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