Palavras Domesticadas

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domingo, 30 de dezembro de 2012

Falando de Dadaísmo

O Dadaísmo foi um movimento de arte vanguardista surgido no início do século passado, reunindo uma série de artistas e teóricos, com o objetivo de subverter a arte e a literatura, e estabelecer novos parâmetros para a criação e a forma de enxergar o que se chama de arte. O dadaísmo surgiu como uma ruptura com o passado, incluindo as vanguardas cubista e futurista.Tristan Tzara, um dos principais participantes da corrente, dizia que Dadá não era uma escola literária ou artística, mas uma fórmula de viver. Dizia ele:
Tristan Tzara
"Há quem creia explicar racionalmente, por intermédio do pensamento, o que escreve. Mas isso é muito relativo. O pensamento é coisa muito bonita para a filosofia, mas é sempre relativo. A psicanálise é uma doença perigosa, adormece as propensões anti-reais do homem e sistematiza a burguesia. Não há uma verdade última. A dialética é uma máquina divertida que nos conduz de maneira banal às opiniões que haveríamos  tido de qualquer modo(...) Odeio a subjetividade gorda e a harmonia, essa ciência que acha que está tudo em ordem. Sigam, filhos meus, humanidade... Diz a ciência que somos servidores da Natureza: tudo está em ordem, façam amor e partam a cabeça. Sigam, filhos meus, humanidade, gentis burgueses e jornalistas virgens... Estou contra os sistemas. O mais aceitável dos sistemas é não ter, por princípio, nenhum."
O livro "Movimentos Literários de Vanguarda" (Salvat Editora - 1979) esclarece:
"O dadaísmo não se declara literário ou artístico, mas ponto final de uma evolução que situa a arte no beco sem saída do absurdo. A barreira deve ser saltada, do outro lado se encontra (se reencontra) a vida. É, acima de tudo, uma radical ruptura com o passado, incluindo as próprias vanguardas precedentes: 'Basta de academias cubistas e futuristas, laboratórios de ideias fomais.' Este vitalismo dadaísta passa pela reivindicação do niilismo, da dúvida sistemática ('Tudo é Dadá, desconfiai de Dadá'), da loucura, do embuste, do humor cáustico, da gratuidade e do exibicionismo - do terrorismo cultural, em suma."
Marcel Duchamp
Um dos principais nomes do movimento Dadá, e um dos que se tornarasm mais famosos, foi sem dúvida Marcel Duchamp, artista plástico e fundador de várias revistas divulgadoras do Dadaísmo. A Gioconda de DaVinci com bigodes, e um mictório masculino elevado a objeto de arte, denominado Fonte, e assinado pelo artista, são dois exemplos da subversão da arte proposta pelo inquieto Duchamp. Outros artistas, a exemplo de Duchamp utilizavam objetos de uso cotidiano como obra artística, como espartilhos, papel de jornal, bilhetes de ônibus, etc, utilizados por Kurt Scwitters.
No campo literário, o Dadaísmo se manifestava principalmente em ações panfletárias (sete manifestos e numerosas revistas) e na celebração de festivais sempre polêmicos e escandalosos em que se misturam recital poético, teatro de cabaré, sendo ainda os dadaístas precursores dos happenings, que se tornaram comuns a partir dos anos 50, com os beatniks. Eram autênticos anti-espetáculos, onde os dadaístas exibiam a si próprios, mais do que sua arte, em atitudes provocantes, como as conferências de Arthur Cravan, onde ele se apresenta completamente bêbado. A famosa receita de Tristan Tzara para compor um poema dadaísta, com tesouras, jornais e cola, deve ser interpretada como mais uma manifestação panfletária de humorismo do autor e não para ser tomada ao pé da letra.
Exposição dadaísta em Berlim
Segundo o livro Movimentos Literários de Vanguarda, "Um estado de espírito semelhante ao dadaísmo surgiu simultaneamente na Suíça e nos Estados Unidos, como se exprimisse o dos desertores morais da Primeira Guerra Mundial. O grupo suíço formou-se explicitamente em 14 de julho de 1916, em Zurich, no bar Voltaire (creio que o nome da banda Cabaret Voltaire venha daí), sendo constituído por Tzara (romeno e, como tantos outros, bilingue), Richard Huelsenbech e Hugo Ball (alemães), todos eles escritores, e pelos pintores Hans Arp (alsaciano) e Marcel Janco (romeno). O grupo norte-americano inclui como figuras mais destacadas Man Ray e os europeus Marcel Duchamp e Francis Picabia. Mas, até a reunião de Lausanne, em 1918, esses grupos não entraram em contato uns com os outros, e a eles se uniu Max Ernst, divulgador do dadaísmo da Alemanha."
Quadro Giratório, de Otto Dix
Na França, os diretores da revista Littérature, André Breton, Aragon e Soupault, convidaram Tzara a acompanhá-los, e ele acabou fixando residência em Paris. A atividade dadaísta conjunta começa em fevereiro de 1920, com o primeiro encontro, em que Tzara promete que seu manifesto será lido por "quatro pessoas e um jornalista". Entre março e junho daquele ano realizam-se os mais variados festivais, em que são apresentados sketchs redigidos ou compostos pelos respectivos membros. Desconcertando a crítica e o público, Tzara promete 50 francos de prêmio para quem encontrar a maneia de explicar o que pretende o Dadaísmo.
O último festival dadaísta aconteceu em julho de 1923, e não terminou nada bem. Já havia uma crise no movimento, refletindo um desgaste interno entre seus membros. O evento terminou numa grande pancadaria, com troca de socos entre os dadaístas, precisando da interferência da polícia. Mesmo sem querer, foi mais um autêntico happening proporcionado pelos dadaístas.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Gilberto Gil Fala de Música - Musa Única (1976)

Em 1976 o tablóide HitPop, que vinha encartado na revista Pop, trazia um texto de Gilberto Gil, fazendo reflexões sobre a música e seu ofício de cantar e compor. Segue abaixo o texto de Gil:
"Nem sei porque a bobagem de mais uma vez me aventurar a escrever sobre música, eu que tenho, na verdade, nada a dizer sobre o assunto. Tanto mais quanto me é difícil pensar no mesmo como algo a ser discutido por quem não tem o hábito de fazê-lo através da pena como eu. Não quero fazer parecer que a discussão sobre música não me interessa e que ela não seja - como é - a substância mágica de nossas intermináveis horas de conversas entre amigos. Na verdade é só quase sobre música que conversamos. Com ela jogamos a maioria dos nossos jogos de imaginação mental. Com ela intumescemos nossas palavras sobre o sonho e com ela mesma sonhamos. Nos iludimos. Buscamos compreender e saber mais sobre tudo, como uma religião, uma ciência, um mito. Seu poder e seu encanto são alvo constante da nossa apreciação tanto com os olhos do poético e do fantástico. - já por si só tão próximos dela - pela identidade da natureza ('a música é tão eterna, tão plástica'), tanto com os olhos pragmáticos da visão técnica, para compreensão das contemporaneidades matemáticas contidas nas relações música/mundo, música/sociedade, música/mercado etc...
A dicussão sobre música me é difícil, sim, quando considerada no seu aspecto mais responsável da crítica e do ensaio sistemático do artigo de jornal, revista ou livro, a que se dedicam os chamados estúdios. Algumas vezes tão assustadores e incompreensíveis! Aí sim está o difícil  para mim: a responsabilidade de julgamento público. A constituição de matéria de lei sobre os valores da arte musical, a manipulação de uma visão necessariamente particular e pessoal a nível de opinião pública, a nível de lei sócio-cultural. Aí sim, está o meu receio de que possa ser uma bobagem a aventura de escrever sobre música: a busca de instrumento de pressão pelo exercício de apreciação sobre a arte. O jogo político pela manipulação por interesses que estão fora da coisa maldita em apreciação. Nisto tudo está o com que eu não estou. O fato musical é algo pertinente aos ouvidos. Cabeças e corações abertos ao amor mais aberto, mais com tudo e com todos, com os que estão aliados com o espírito geral da coesão e do sucesso da eternidade sonora do tempo, mesmo  principalmente o de agora, aqui, em que se ouve música e letra de uma mesma única possibilidade de descida do espírito santo da coesão de todos os artistas em torno do ser/música que se manifesta em Luiz Melodia. A quem, como a tantos outros artistas, é pertinente o fato musical. E tanto mais, poderia ser redizenda do fato musical, meus caros amigos de POP."

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Os Paralamas Lançam O Passo do Lui (1984)

Em 1984 os Paralamas do Sucesso era uma banda em ascenção, e prestes a gravar seu segundo disco. A banda fazia parte de uma leva de bandas de Brasília, que fariam história no rock brasileiro dos anos 80. Seu primeiro disco, Cinema Mudo, já havia chamado atenção para a banda , e seu segundo disco seria cercado de expectativa. Na ocasião a revista Roll faria uma matéria sobre o seu segundo lançamento, com a matéria abaixo, de título "No Passo dos Paralamas":
"Um disco simples, mais apurado, cheio de balanço e energia e com o melhor em termos de repertório. Confiando nessas armas, os Paralamas do Sucesso se consideram animados, ansiosos e otimistas com o lançamento de seu 2º LP, 'O Passo do Lui', recém-editado, e que foi precedido de compacto com a música 'Óculos', carro-chefe do disco.
Primeiro, a explicação para esse título: uma homenagem ao amigo Lui e às suas características de dançarino. Segundo Herbert Viana, esse companheiro desde os tempos de Brasília, 'dança muito bem'. Pois então o Lui que se prepare: o 2º LP de Herbert, Bi Ribeiro e João Barone está pra Kid Creole e The Beat nenhum botar defeito. São dez músicas, nove delas compostas por Herbert, mais 'Assaltaram a Gramática', de Lulu Santos - que não esconde a sua admiração pelo grupo - e Wally Salomão. Guitarrista, cantor e compositor dos Paralamas, Herbert é, naturalmente, o mais falante dos três.
'Nós temos consciência de que 'Cinema Mudo' (o 1º LP) foi menos profissional, talvez até por inexperiência da gente. Mas agora o ânimo foi outro. Procuramos fazer um disco o mais simples possível, mas nun processo de criação diferente, onde exploramos ao máximo as possibilidades de gravação do estúdio. Além disso, tentamos reproduzir no LP toda a energia dos nossos shows. Com tudo isso, mais uma série de boas canções que são o que a gente tem de melhor, nós achamos que 'O Passo do Lui' está superprofissional. Um disco de verdade.

Tecnicamente, a principal novidade do LP é a qualidade no som da bateria. Alto e nítido, mas sem prejuízo para os outros instrumentos, a bateria de João Barone permitiu, segundo os músicos do grupo, um som mais simples, sem playbacks desnecessários. 'Para isso, não houve muito mistério', explica João. 'Apenas fomos mais além e distribuímos os microfones por vários locais dentro do estúdio'.
 Autor da maioria do repertório dos Paralamas, inclusive os hits 'Vital e Sua Moto', 'Cinema Mudo' e 'Foi o Mordomo', Herbert conta para Roll as linhas principais  de seu trabalho enquanto letrista em 'O Passo do Lui': 'Está mais homogêneo, mais maduro. As letras falam de falhas pessoais, desilusão e solidão, mas tudo isso de uma maneira muito subjetiva. Acho que assim está bom; pelo menos eu funciono melhor quando minha cabeça está meio ruim.
É assim em 'Óculos' e 'Meu Erro', por exemplo. Pode parecer paradoxal, mas essas são também duas músicas superdançáveis, com a guitarra de Herbet fazendo riffs bem marcados, no melhor estilo jamaicano.
Aliás, esse é um ponto fundamental em 'O Passo do Lui': cada vez mais, os Paralamas se aproximam do som que se faz no Caribe. E  não poderia ser diferente. Eles estão muito mais próximos de lá e da África do que imaginam os que ainda insistem em rotulá-los de'Police brasileiro'. 'Isso é coisa de quem não conhece o trabalho da gente', diz Herbert.
Alguns pontos a ressaltar no LP: a presença de Lulu solando a música 'Romance Ideal' (de Herbert e Martin Cardoso), a voz de Scarlet Moon em 'Assaltaram a Gramática' e as participações de Leo Galdeman no sax, e Ricardo Cristaldi e Jotinha nos teclados. Nos vocais de suporte em 'Óculos', algumas vozes conhecidas: Vinícius Cantuária - outro fã do grupo - Ruban e Paula Toller. A produção é de Mairton Bahia e Marcelo Sussekind, guitarrista do Herva Doce e produtor do 'Cinema Mudo'.
O trabalho de divulgação nas rádios já começou; os shows também. Poranto, prepare seus passos para 'O Passo do Lui'. "

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Luis Carlos Maciel Fala de Rita Lee - Revista Careta (1980)

O jornalista, escritor e dramaturgo Luis Carlos Maciel é um dos mais conceituados conhecedores da contracultura no Brasil. Durante anos foi responsável pela coluna semanal "Underground", no jornal O Pasquim, onde falava de rock, teatro, cinema e movimentos de vanguarda dos anos 70. Em junho de 1980 escreveu um perfil de Rita Lee para a revista Careta. Transcrevo aqui alguns trechos de seu texto, já que o mesmo é muito longo:
"Rita Lee, sempre foi, uma gracinha. Toda vez que penso nela, lembro logo do jeito que a conheci em pessoa. Foi um lance interessante, acontecido num daqueles Festivais Internacionais da Canção, o de 1970, se não me engano. Rita já havia entrado fantasiada de noiva grávida, com os Mutantes, num dos festivais anteriores: já havia encantado, portanto, a todo o mundo, e já era famosa. Naquele ano, se não me falha a memória, os Mutantes não concorriam, Rita ensaiava os primeiros passos para uma carreira solo e daí que fazia parte do júri.
Quando entrei no Maracanãzinho, daquele jeito, todo fantasiado, a primeira pessoa que encontrei foi o meu amigo Milton Temmer, jornalista e, no mínimo, um racionalista, muito elegante com seu terno, sua gravata e seus cabelos bem aparados. Nunca vi, em toda minha vida, uma expressão maior de perplexidade do que a que dominou seu rosto, assim que  me viu em meus novos trajes. Ele ficou me olhando de boca aberta e olhos arregalados, incapaz de pronunciar uma palavra. Em nosso último encontro devíamos ter discutido, pelo menos, algo entre a dialética de Hegel e o existencialismo de Sartre - e, agora ele me via assim.
A segunda pessoa que encontrei foi Rita Lee. Não me lembro onde nem como, porque, assim que a vi, não enxerguei mais nada. Ela estava linda. Em primeiro lugar, também estava toda fantasiada, de camponesa, parece, mas bem estilizada, é claro, de trancinhas, parecia nem-sei-o-que de tão bonita. Assim que me viu, não ficou nada perplexa, pelo contrário, pareceu-me reconhecer, embora - ao que me conste - nunca tivesse me visto antes, e sorriu. Foi um sorriso ofuscante, um sorriso de mil watts que, realmente, iluminou a sala muito mais do que a luz do refletor. Retribuí esse sorriso sentindo que, quando você encontra uma pessoa em tais condições, o silêncio basta, você não precisa de palavras, nenhum papo, para saber quem ela é, pois naquele momento, na luz ofuscante de seu sorriso, eu fiquei sabendo quem era Rita Lee, ela era minha irmã.
Lembro que nos divertimos bastante naquele festival. Brincamos, botamos os dedinhos em V para o público, fomos apoiados pelos meninos de um grupo europeu de rock (todos cabeludos, claro) que viera para a parte internacional do Festival e cujo nome não me lembro no momento, e rimos de tudo. Não precisávamos de papo para sabermos que víamos aquelas coisas - e o resto! - mais ou menos da mesma maneira e que a nossa visão era nova e mais livre, mais alegre, mais verdadeira. Percebíamos que ambos havíamos resolvido, naquelas circunstâncias, aproveitar a mesma brecha nas couraças da seriedade vigente para uma nova, mais pura, consideração sobre o significado da vida humana. A nossa política era a mesma, o nosso lance era parecido. Reconhecíamo-nos, portanto.
A visão nova era a visão juvenil, o terceiro olho espiritual do rock, que marcou toda uma geração e que animou a carreira de Rita por cima de todos os obstáculos e além de todas as circunstâncias desfavoráveis, até o seu presente, indiscutível e absoluto sucesso. O segredo da arte de Rita Lee é a sua saúde irresistível - e o segredo dessa saúde é a sua pacificada fidelidade à visão juvenil da vida, àquela Grande Recusa da visão adulta que deve ser reconhecida como a intuição básica de toda a sua geração. Rita, portanto, como dizem as más línguas, é roqueira. Não é, em sentido estreito, porque sua arte livre e portanto, original, está além de toda imitação; mas é, em sentido profundo, essencial. O que ela possui é a visão do rock, o seu espírito, o terceiro olho.
Acompanhei toda a carreira de Rita, em certas fases ouvindo-a mais em outras menos, mas reparando sempre no sentido de sua evolução que se movia. Quando Rita surgiu, com os Mutantes, já se revelava uma encarnação plena do espírito do Rock. Suas possibilidades de expressão eram então limitadas: as canções não eram suas, ela não tocava guitarra e nem sequer era a principal vocalista do grupo. Mas o espírito já estava lá, nas suas criações visuais para as apresentações dos Mutantes - figurinos, caracterização, mise-en-scene - e na simples presença. Rita é sempre a encenadora ideal de seus shows - este foi o primeiro especto evidente de seu múltiplo talento.
O caminho de Rita parece encontrar o verdadeiro rumo quando ela forma o seu próprio grupo, o Tutti-Frutti, e vai para a estrada, como todo roqueiro de boa formação tem de fazer. Nessa fase, ela se desenvolve em todos os sentidos, mas principalmente como compositora e autora de suas canções.
No que me diz respeito, pessoalmente, a personagem de Rita que costuma acusar minha presença e parece gostar de conversar comigo é a Gungum. Ela tem uma péssima fama. Órfã, com cerca de quatro anos de idade, está permanentemente à procura de um casal de novos pais, mas ninguém quer, ou tem coragem de adotá-la, porque Gungum é muito chata, insuportável mesmo. Mas atesto que é uma menina esperta, o que descobri numa festa durante a qual sentei ao lado de Rita e Gungum juntou imediatamente para ficar conversando comigo durante um bocado de tempo. Perguntou-me sobre o mistério da vida e o significado de tudo, na mais autêntica perspectiva infantil, sem fazer antes artes ou malcriações. Respondi a tudo como pude e, posto que Gungum é órfã, ofereci de coração a mim mesmo para ser seu novo pai, e minha mulher para ser sua mãe - o que ela aceitou alegremente, sem pensar.
Na verdade, gosto da Gungum porque, como Rita, ela é uma ovelha negra. Gosto de ovelhas negras. Posso dizer até que, se há alguma coisa que eu goste neste mundo, é de meninas rebeldes. Aliás, deve ser por isso, decerto, que gosto de Rita Lee."

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Cartola Retorna à Mangueira (1976)

Desde a criação da Estação Primeira de Mangueira, em 1929, Cartola um de seus fundadores, foi uma figura histórica e presente na agremiação. Seus sambas e sua atuação nos desfiles da escola o credenciaram a ser considerado uma das figuras mais importantes não só da Mangueira, como do próprio samba carioca. Muitos anos depois, com o crescimento da exploração turística da cidade, o carnaval do Rio de Janeiro passou a ser o centro das atenções dos órgãos oficiais, e consequentemente as escolas de samba passaram a entrar nessa engrenagem, e começaram a se descaracterizar de sua função primordial. Isso causou descontentamento nos sambistas mais autênticos como Cartola, por exemplo.
Porém, após cerca de 20 anos afastado de sua escola de coração, Cartola deixou o coração falar mais alto e resolveu voltar a participar das atividades de sua Mangueira. Isso ocorreu em 1976. Na ocasião, o Jornal de Música nº 21, de agosto daquele ano faria uma matéria sobre esse retorno. Assinda pelo jornalista e crítica Ruy Fabiano, a matéria dizia:
"(...) A sua volta, este ano, foi saudada com bastante otimismo por todos os integrantes da escola, inclusive as rivais.
- A Mangueira estava acabando. Não havia mais movimento. Uma escola, como a nossa, com o patrimônio que tem, é obrigada a faturar o ano inteiro. Nós temos que conservar a sede, que é essa enormidade que todos conhecem, e, só com a Light, cada vez que os refletores são acesos, gastamos uma fortuna. Os compositores também não se reuniam mais e nós tínhamos que dar um jeito nisso. Com a eleição do ,Bira, voltaram  à quadra, com bastante assiduidade, sambistas como Nelson Sargento, Padeirinho, Preto Rico, Carlos Cachaça e outros mais, além de compositores de outras agremiações.
Embora reconheça e aceite o fato de que as escolas de samba hoje estão comprometidas com muitas coisas estranhas que lhe garantem a sobrevivência, Cartola acha que determinados detalhes foram esquecidos e têm que ser observados. E dá a sua receita de mestre:
- Uma escola pra mim tem que ter uma vida cotidiana com seus membros, ali, toda hora. É como a nossa casa. Se você está em casa, despreocupadamente, e de repente aparece uma visita, você tem que estar preparado para recebê-la, sem passar vexame. A Mangueira, a exemplo de todas as escolas, tinha perdido esse particular. Não havia mais movimento na escola. Eu moro aqui ao lado e só percebia movimento na época do carnaval, nos preparativos dos desfiles, quando o samba fica em segundo plano. A nossa volta é para tornar a movimentar isso aqui.
Um detalhe ele faz questão de frisar: 'não vou interferir jamais nas decisões da diretoria. O presidente é o Bira.' Para ele, o importante é primeiro arrumar a casa e depois colocar em prática os diversos planos elaborados. Quanto à massificação que atingiu as escolas, ele não vê solução e, pelo contrário, considera impossível uma reestruturação das escolas nos moldes tradicionais.
Ao lado de  seu parceiro Carlos Cachaça
- Não acho que haja volta possível. Os esquemas que vigoram atualmente não serão derrubados. Por isso, criaram a Quilombos, que não é uma solução, mas se propõe a isso. É um negócio assim como o amadorismo. Ela quer apenas criar o clima da escola de samba ideal, onde as pessoas se encontram, tomam uma coisinha qualquer, cantam, tocam e se sentem à vontade. Nisso ela tem sido perfeita. Nesse particular, estou de acordo com meu amigo Paulinho da Viola: não há retorno. Essa escola não precisa desfilar. Ela é nossa, de todos, desde que a desejamos.
Cartola diz-se satisfeito com o resultado do seu primeiro LP para a gravadora Marcus Pereira, que, segundo lhe informaram, vendeu mais de 15 mil cópias, o que 'para um estreante, já é uma grande coisa'. Este segundo disco, segundo ele, promete mais, 'pois já se criou uma expectativa em torno de meu nome.' A gravação foi feita em apenas doze horas, a maior parte consumida na elaboração dos arranjos. Para acampanhá-lo, músicos que dispensam comentários: Dino e Meira (violões), Canhoto (cavaquinho) e mais quatro ritmistas. A repercussão de seu primeiro disco modificou um pouco a sua tranquila rotina de muitos anos.
- Tenho experimentado uma canseira que há muito não sentia. São shows e viagens para fora do Rio. Por outro lado, é bom me sentir de novo ativo e, enquanto eu aguentar, vou continuar dando o meu recado."

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Caetano X Imprensa: Uma Briga Antiga

A briga de Caetano Veloso com a imprensa vem de muito tempo. A cada comentárioque julga injusto ou tendencioso, Caetano rebate publicamente, e assim, com alguns períodos de tréguas, essa briga vai se arrastando. Em 1978, quando lançou se álbum Muito, Caetano reacendeu essa briga, fazendo inflamados discursos contra determinados órgãos de imprensa durante os shows da turnê do disco. Em umas das raras entrevistas que concedeu na época, para a revista POP (janeiro/79), Caetano soltou o verbo. Abaixo, trechos de sua fala:
"Engraçado, depois que meu LP Muito foi lançado, a crítica levou dois meses para se manifestar. Aí, quando os caras escreveram, falaram muito mal, foi horrível. Então achei que houve alguma dificuldade deles em digerir a coisa... Deve ter sido meio difícil para eles chegarem a uma conclusão e escrever. Então se confundiram e acabaram escrevendo uma coisa confusa..."
"O disco é muito pessoal e, até um certo ponto, é bem confessional. Ele é resultado direto de um show que eu fiz no Rio, com os músicos que costumam me acompanhar em casa. Como a Banda Black Rio, que vinha tocando comigo, não quis encarar a barra de um show inteiro em teatro no Rio, a gente se juntou e fez uma coisa meio improvisada, com muita intimidade. Uma coisa muito direta, muito minha. Daí nasceu o disco: me senti à vontade para fazer uma coisa mais geral, abordando vários tipos de coisas, que é o que eu gosto mesmo de fazer. Meu trabalho anterior, Bicho Baile Show, era o bloco uniforme de uma coisa determinada, particularizada, que eu estava fazendo..."
"Gosto muito do disco. Ele é uma presença bem linda. Várias coisas contribuem para esse desentendimento geral, entre mim e a maioria das pessoas que escrevem sobre música popular na imprensa. Eles pensam diferente. Outro dia falei para um repórter que as pessoas escrevem e vivem pensando que a bossa-nova foi inventada nos apartamentos do Rio de Janeiro. Mas a bossa nova foi inventada na beira do rio São Francisco! Então, como eu sei disso, minha visão é outra. E a visão deles é totalmente diferente.... Outra coisa é que eles se esforçam por parecer cool, né? Essa é uma doença que deu no Brasil. As pessoas, coitadas, são meio assustadas com umas coisas, deslumbradas com outras, ignoram uma série de coisas importantes, temem outras, estão fascinadas por outras, e fingem que são blasé, fingem que estão distantes, superiores, céticas, entendidas de tudo isso. Então esse tom, mostrado por pessoas que, coitadas, mal ouviram falar das coisas, é um absurdo..."
"Falam que o disco é amadorístico, mal feito, mas não é. Acontece que embarcaram numa onda de padrão de qualidade que está muito em moda no Brasil. Não perceberam que eu posso fazer um negócio com muita qualidade sonora sem ter nada a ver com esse padrão... Isso desnorteia os caras. Muito é um disco que me satisfaz imensamente, que eu acho maravilhoso, por isso. Ele é um disco que tem essa sonoridade amadurecida, rica, mas não faz parte do rebanho do padrão de qualidade que está na moda, entendeu?"
"Você diz que algumas pessoas me cobram coisas inovadoras, como fiz em 1968. É verdade. E isso é uma coisa meio boba. O pique revolucionário de 68 não era meu: era de 68. Era uma coisa que tinha em todo o mundo, em todas as pessoas, em toda a parte do mundo ocidental. Não pode ficar querendo: 'Vamos contaminar tudo de novo'. Ninguém combinou. Aquilo tudo tava acontecendo. Não podem querer tudo aquilo de novo. Têm que topar a ideia de que não está acontecendo aquilo. E esperar o que der e vier, porque pode, de repente, acontecer algo até maior do que aquilo. Na verdade, o medo que as pessoas têm é de que aconteça qualquer coisa. Eles querem manter o que eles já assistiram, o mesmo filme, mas não dá. Não adianta. O que pode acontecer é uma coisa totalmente diferente... Mas você procurar unir os pontos dessa cobrança cofusa que se faz por aí, você vai encontrar exatamente um pedido desesperado de mater o filme já visto."
"Ninguém entendeu direito o recado de meu disco anterior, o Bicho. Eu gosto de Bob Marley, de Jorge Ben, e era isso que eu queria dizer no Bicho. Eu estive  na África, eu vi aquilo, fiz uma música imitando as músicas nigerianas. O assunto do disco era esse. E eu gostava do Frenetic Dancin' Days porque na minha área mais de classe média brasileira, de burguesia brasileira morena, branca, com poucos negros, tem as discothèques - e a gente vai ou não vai às discotèques. Eu não gosto de nenhuma, mas o Dancin' Days eu adorava, era uma curtição legal: os caras ficavam nus da cintura pra cima, todo mundo se pegava, brincava, tinha uma coisa assim que eu gosto, que precisa e que faz falta. E o meu Bicho era tudo isso. Era essa a ideia que eu queria passar naquele disco. Está claro?"

domingo, 23 de dezembro de 2012

Egberto Gismonti - Revista Bizz - Setembro/1985

A revista Bizz, surgiu em agosto de 1985, com a proposta de trazer informações sobre o mundo do rock, porém não se resumia a esse segmento musical. Em seu segundo número, na seção "Meu Instrumento", onde um músico falava sobre sua relação com seu instrumento e sua técnica, Egberto Gismonti, um dos mais respeitados músicos brasileiros, falava sobre o violão, embora como multiinstrumentista, Gismonti não se limite a esse instrumento, também domina o piano com perfeição. A matéria, assinada pelo jornalista José Emílio Rondeau, é reproduzida abaixo:
"Egberto Gismonti não toca um instrumento. Em disco ou ao vivo, ele explora as possibilidades musicais de umn vasto e variado arsenal, que inclui desde duas dezenas de teclados e aparelhos eletrônicos até flautas indígenas e cítaras.
'Não tenho paixão pelo instrumento em si', confidencia Gismonti. 'Tenho paixão pela música'.
'O que não significa que eu não seja apaixonado por um determinado instrumento', continua, 'por causa da história de cada um deles.'
Aos 37 anos, Gismonti construiu uma obra tão ampla quanto sua capacidade de instrumentista. E às vezes fica difícil lembrar que tudo começou da forma mais simples - a tradicional história da mãe que leva o filho para tomar lições de piano.
Seria tradicional se a própria família de Gismonti não fosse incomum, pelo menos para a década de 50.
Egberto foi criado em Friburgo, no Estado do Rio, dentro de uma família musical. Aos 6 anos foi matriculado no curso de piano da professora Elza Xavier de Melo. A princípio, o piano era uma brincadeira a mais - e das boas, pois era estimulado pelos pais. 'Era uma gracinha extra', recorda Gismonti, 'porque eu tocava em missas e em festinhas de fim de ano na escola..'
'Meus pais foram muito corajosos', continua. 'Naquela época, numa cidade pequena como era Friburgo, tocar piano era coisa de moça. O próprio colégio onde eu estudava pressionava meus pais, por causa disso.'
Apesar da pressão, o pai de Gismonti continuou incentivando o filho, alimentando seu crescente interesse por música com discos de pianistas como Thelonius Monk e Oscar Peterson. Mas, como todo adolescente, aos 13 anos Gismonti começou a confrontar os pais. 'Eu não me lembro direito', confessa Egberto, 'mas minha mãe diz que eu reclamava muito nessa época, porque não me sobrava tempo para coisa alguma. Eu estudava num colégio de padres e com a professora Elza, e isso me tomava o dia inteiro.'
Os pais de Gismonti não desanimaram e deram a ele um instrumento novo, um misto de miniviolão e cavaquinho. Porém, somente numa viagem ao Rio de Janeiro, aos 17 anos, Gismonti pegaria o violão a sério, 'muito influenciado pela bossa-nova, mas na verdade, sem referência técnica em relação ao instrumento'.
Gismonti, então, começou a estudar o violão sob o ponto de vista do piano. 'Quem estuda piano', explica Egberto, 'tem duas mãos independentes. Quem estuda violão tem duas mãos dependentes.'
Contrariando a regra do violonista, Gismonti acabou se aproximando, em atitude, do maior violonista brasileiro, Baden Powell. 'Meu pai me deu uns discos do Baden', recorda: 'Uns discos até bem obscuros, gravados na Europa. E eu ficava na frente do toca-discos, ouvindo as músicas e escrevendo numa partitura tudo que eu ouvia'.
Um belo dia, por um destes fortuitos golpes do destino, Gismonti acabou frente a frente com Baden, na casa do violonista, levado por um amigo comum que se entusiasmara com o estilo de Egberto. Baden pediu que ele tocasse e Gismonti tocou uma das peças mais difíceis e menos conhecidas de Baden, o Choro para Metrônomo.
Baden custou a crer nos próprios ouvidos - ali estava um garoto que não apenas transcrevera em partitura um verdadeiro labirinto polirrítmico e polifórmico, mas que ainda por cima emprestava ao instrincado choro seu próprio estilo. Baden pegou um segundo violão e os dois tocaram essa mesma música durante três horas.
'O que eu tocava não era o que se esperava do instrumento', diz Gismonti. Talvez por isso Gismonti tenha resolvido modificar o próprio instrumento, ajudando a criar violões de 8 e 14 cordas (o normal são seis).
Os instrumentos acústicos continuam sendo a grande paixão de Gismonti, apesar de usar teclados eletrônicos desde 1974. 'A possibilidade de expressão num instrumento eletrônico ainda está muito aquém do que se consegue num instrumento acústico. Mas eu gosto deles. Acho que são a resposta do Japão ao bombardeio de Hiroxima. Agora, através de seus instrumentos eletrônicos - todos muito bons e muito baratos -, os japoneses estão conquistando o mundo. E ninguém  segura eles.' "

sábado, 22 de dezembro de 2012

Ednardo Lança O Azul e o Encarnado (1977)

Em 1977, o cearense Ednardo, um dos mais talentosos compositores da safra de músicos nordestinos que invadiram a MPB nos anos 70, lançava seu terceiro disco, O Azul e o Encarnado. Aos 31 anos, Ednardo vivia uma das fases mais criativas de seu trabalho. Em agosto daquele ano, a revista Música nº 13 trazia uma matéria sobre o lançamento:
"Ao iniciar o processo de criação que resultaria em seu novo elepê, 'O Azul e o Encarnado', o cearense José Ednardo Soares Costa de Souza, 31 anos, confessa que a ideia básica era um simples jogo de palavras. Com leves traços, alinhavou no papel termos, identificando sentimentos, emoções, toda uma gama de sensações humanas: medo/coragem, sonho/real, pessoa/sistema, etc. 'O objetivo era apenas retratar o caráter de tansição do homem.'
A partir desse esboço, ele decidiu ouvir a opinião dos amigos. No papel das anotações, uniu ao desenho das palavras a figura do homem, de Leonardo da Vinci, e formou um jogo: o azul e o encarnado. Nele, dois jogadores, com o auxilio de dados, movem-se pelo corpo humano, partindo dos pés e alcançando a cabeça, o ponto máximo do jogo. Estava criada a cédula inicial do novo disco. Uma concepção anterior, embora sustentada àquela altura por 20 músicas já compostas, foi abandonada. E vieram cinco dias de trabalho contínuo: 'Me tranquei e compus 15 músicas, sem parar.'
Fausto Nilo, compositor cearense, e Maxim, arquiteto, amigo de Ednardo, encarregaram-se do aspecto visual. O plano inicial, uma capa tripla contendo o encarte com o desenho/jogo e as letras das músicas. O disco e a própria capa, porém foram recusados pela gravadora RCA Victor, que não se mostrou disposta a arcar com os custos de uma tal produção. Foi então que o próprio Ednardo, num gesto obstinado, decidiu patrocinar - com recursos próprios - a ideia. E mandou confeccionar 10 mil encartes, oferendo-os à gravadora para que os anexasse aos discos.
Como obra musical, o elepê é um prolongamento da linha do anterior, 'Berro'. Os arranjos de todas as músicas - que misturam rock, flauta medieval, tango e sons típicos do nordeste - e a mixagem de fita/base foram elaborados pela mesma equipe que então já acompanhava Ednardo. E houve, ainda, cuidados especiais, como, por exemplo, o corte da fita, feito pelo próprio cantor, que também exigiu um técnico de som 'com certa sensibilidade, para acompanhar os arranjos. Não pode ser um profissional que só aperta os botões'.
O Azul e o Encarnado é o terceiro disco de Ednardo. O primeiro, Pavão Misterioso (1974), corresponde a uma fase por ele definida como comercialmente muito difícil, 'quando o mercado era só dos baianos'. A tiragem inicial não ultrapassou 4 ou 5 mil unidades. Depois, com a música principal utilizada pela TV Globo como tema da novela Saramandaia, o elepê gerou 250 mil filhotes - compactos simples e duplos. Já então - 1976 - vem a gravação de 'Berro', que incluia Vaila, apresentada no festival Abertura, da Rede Globo. 'Mas, com o sucesso da novela, a gravadora obliterou o disco. Foi uma época muito difícil.'
A tudo isso soma-se a experiência frustrada do espetáculo 'Pavão Misterioso', no Teatro Nídia Lícia, em São Paulo. Miriam Muniz, diretora de 'Falso Brilhante', o espetáculo de Elis Regina, e Luiz Carlos Campos, dono da boate Igrejinha, imaginaram um sucesso semelhante. Hoje, Ednardo faz a autocrítica: 'O espetáculo refletia um certo ranço da televisão, além do tratamento nababesco do cenário. A produção esperava um veio de outro. Mas, depois de 13 dias, desisti. Não era nada daquilo.'
Em compensação, em outubro do ano passado, no Museu de Arte moderna, no Rio, o espetáculo foi pobre em montagem e, para Ednardo, satisfatório no resultado. Mesmo assim, ele afirma, em seu linguajar um tanto peculiar; 'Não se deve entrar em sequenciamento originado de grande massificação, como rádio, TV ou disco. Além do que, a gravadora, a crítica e o próprio público exigem posicionamento e movimentação constante. E o artista não deve obedecer.'
Quanto a 'O Azul e o Encarnado', não há uma expectativa especial. Ednardo diz apenas que a expectativa 'existe para o todo, para a obra. Cada trabalho deve ser o fio da medalha e caminhar num crescendo'."

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Os 50 Melhores Discos de Rock de Todos os Tempos

Nos anos 90, a  Nova Sampa Diretriz Editora lançava vários títulos ligados ao rock, dentre eles a revista Rock In. Um desses títulos foi uma edição especial da revista, intitulada Os 50 Melhores Discos de Rock de Todos os Tempos. Logicamente, esse tipo de publicação é algo muito pessoal, sempre gerando controvérsias. Quando a escolha é feita por um time de críticos e jornalistas especializados tem-se uma visão mais abrangente, mas no caso da revista, a escolha é feita por uma única pessoa: o jornalista René Ferri. Como um bom conhecedor do assunto, a escolha dos 50 melhores discos de rock segue uma série de critérios, mas o pessoal logicamente prevalece. No texto de apresentação, o editor diz: "A primeira dificuldade do autor foi constatar imediatamente, que a lista dos 50 Melhores Álbuns De Rock tem mais de 50 álbuns. Assim adotamos alguns critérios:
1) Cortamos os álbuns do tipo 'Best of'', senão acabaria sendo uma monótona seleção de 'discos de sucessos' - as poucas compilações constantes desta lista tiveram sua inclusão justificada.
2) O autor brigou o máximo que pôde contra critérios de seleção subjetivos. Mesmo os álbuns festejados unanimemente pela crítica especializada, tiveram um 'julgamento' imparcial para esta seleção. Assim, a lista reflete uma opinião pessoal e não deve ser vista como uma camisa-de-força. Todos os álbuns relacionados ou citados no texto, foram ouvidos pelo autor em época e ocasiões diferentes.
3) Tentamos descobrir e listar os melhores álbuns de cada gênero representativo no grande universo do rock (pop, folk rock, beat, etc) e descartamos discos de grande relevância, e mesmo essenciais para a compreensão do rock, por não serem catalogados como 'discos de rock'. Daí a ausência de Little Willie John, James Brown, Big Joe Turner e outros, muitos dos quais estão entre os artistas preferidos pelo autor."
Abaixo destaco alguns dos álbuns escolhidos:
Capa de Surf's Up
The Beach Boys - Pet Sounds - maio/'66
Surf's Up - junho/'71
Os BB não inventaram a surf music, mas foram os responsáveis pela sua modernização e popularidade. O épico álbum Pet Sounds foi a obra máxima dos BB, onde Brian Wilson aplicou suas ideias mais intensamente. Pet Souns foi inteiramente concebido e produzido por Brian em mono, por causa da sua progressiva surdez em um dos ouvidos.
Os problemas com drogas alucinógenas, agravados pelas crises psicóticas que Brian vinha tendo desde 1964, afetaram seriamente a música dos BB, que depois de Pet Sounds entrou em declínio.
A crise começou a ser contornada na virada dos anos 60. Em 1971, Brian, que estava afastado, se reintegrou à banda para produzir outra obra-prima, Surf's Up, o reverso do sonho dourado que eles ajudaram a construir. Em Surf's Up, a temática é a morte dos rios e dos mares, a poluição do ar, o envenenamento das plantas. Sintonizados com a luta pela preservação da vida, naquele que foi o ano da conscientização da preservação ambiental, os BB fizeram o melhor álbum abordando a temática ecológica.

Cream - Disraeli Gears - dezembro/'67

O Cream viabilizou um novo formato em bandas de rock, que fez escola, o power trio. Formado por três músicos excepcionais, Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce, o Cream teve um início claudicante, com o sofrível Fresh Cream, um LP pouco inspirado, mas acertaram a mão em Disraeli Gears, o 2º álbum. Foi este 1ºLP de rock de grande vendagem, onde se ouvia improvisações jazzísticas,um truque abusivamente empregado pelo próprio Cream em produções futuras. Também marcou a estreia do mitológico Eric Clapton, cantando em algumas faixas. A produção de Felix Papallardi está perfeita, assim como o compositor lyricist Peter Brown. Pena que depois de Disraeli Gears, o Cream tenha perdido o toque e o ritmo.

The Jeff Beck Group - Truth - agosto/'68
Depois de uma excelente fase com os Yardbyrds, onde se revelou um talento magnífico como guitarrista, criativo e inovador, principalmente no uso do feedback, o inquieto Jeff Beck formou sua própria banda, The Jeff Beck Group.
O 1º álbum, Truth, é um espetacular disco de rock pesado, um dos primeiros do gênero, que teve a distinção de revelar o vocalista Rod Stewart, até então um obscuro cantor de blues, e Ron Wood.
Depois, Stewart e Wood iriam fazer sucesso nos Faces e o Jeff Beck Group ainda gravaria mais três bons álbuns, com formações modificadas.




The Jimi Hendrix Experience - Eletric Ladyland - agosto/'68
Jimi Hendrix é o grande ídolo da 'geração Woodstock' e por ironia foi quem esgotou a guitarra, o símbolo máximo do rock . Seu melhor álbum, Eletric Ladyland, duplo, tem todos os  elementos que fizeram do Experience um dos mais poderosos e coloridos grupos que já existiram. Nesse álbum, o Experience vai o mais longe que pode na área da experimentação, deglutindo os vários estilos, ritmos e gêneros musicais e quebrando todas as barreiras: este foi o último álbum feito pelo power-trio, Jimi Hendrix, Noel Redding e Mitch Mitchell.




John Mayall Bluebreakers With Eric Clapton - julho/´66 (Inglaterra)
Bare Wires - junho/'68 (Inglaterra)
Memories - novembro/'71
Depois de uma série de discos memoráveis, 'o pai do blues inglês', John Mayall, chegou ao autobiográfico Memories, uma tocante coleção de recordações, feito à base de instrumentação semi-acústica e letras nostálgicas. Antes, Mayall já tinha concebido duas obras-primas dentro do seu estilo habitual, Bluebreakers With Eric Clapton e Bare Wires, blues elétrico pesado, com os ases do blues- rock inglês. A banda de Mayall, que raramente repete o line-up, sempre foi uma escola para os músicos mais jovens, descobertos pelo faro certeiro do mestre, e um núcleo de revitalização para os mais veteranos. Amen Saint John, amen.

The Who - My Generation - dezembro/'65 (Inglaterra)
Who's Next - agosto/'71
A melhor das bandas mod e com uma performance única no show-bizz costumavam quebrar a aparelhagem durante as apresentações. O 1º álbum My Generation é uma reunião brilhante de tudo o que fez do Who uma das bandas mais importantes do rock inglês, os riffs poderosos de Pete Townshend, os vocais esgarçados de Roger Daltrey, a bateria maníaca de Keith Moon e o baixo pesado de John Entwistle - além de originais, covers de James Brown, uma obsessão mod.
Vários bons álbuns se seguiram a My Generation, incluindo o superestimado Tommy e o The Who comparecia com outra obra-prima, Who's Next, onde pela primeira vez ouvia-se um sintetizador predominar num álbum de rock."
Outros álbuns escolhidos: Rubber Soul , Revolver e Abbey Road (The Beatles), Bringing It All Back Home e Highway 61 Revisited (Bob Dylan), Tapestry (Carole King), The Rise And Fall Of Ziggy Stardust e Low (David Bowie), If I Could Only Remember My Name (David Crosby), The Doors (67), My Aim Is True (Elvis Costello), Surrealist Pillow (Jefferson Airplane), Closer (Joy Division), Led Zeppelin (71), Road To Run (Ramones), Beggar's Banquet e Stick Fingers (Rolling Stones).

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Antimaldito Jorge Mautner

Em 1985 Jorge Mautner lançava mais um disco, que ganhava o curioso título de Antimaldito, como uma negação do rótulo que sempre carregou de artista de difícil assimilação pelo grande público. A carreira musical e literária de Mautner traz uma marca pessoal, faz refletir e encanta aqueles que sabem seguir pelos atalhos da arte que propõe novas possibilidades. Em agosto daquele ano o jornal O Pasquim trazia uma matéria sobre o disco, assinada pelo letrista, poeta e agitador cultural Tavinho Paes. Eis o texto:
"É nesta semana que Jorge Mautner, líder espiritual do Partido do Kaos, vem lançar seu novo LP: Antimaldito, produzido por uma nova marca da MPB (o selo Nova República, iniciativa brilhante de Zé Vicente Brizola e Roberto Santana), tendo na direção artística Caetano Veloso e os teclados de Mozart Ricardo Cristaldi. Um disco nada descartável. Um anti-chiclete. Um manifesto político em nome do discurso da Nova Era. Histórico, humanista, democrático... Um alvo acima do fígado de Prometeu exigindo o presente da águia.
No LP, Tânatos e Eros se digladiam. Se estourar a bomba H, mantenham-se aos beijos com seus adorados amantes! É o tema da canção Cinco Bombas Atômicas. Jesus e Marx tomam chá das 5 na Inglaterra enquanto Teilhard de Chardin celebra uma missa, com música de Brahms nas estepes desérticas de da Ásia. É a canção Corações. O Lobisomem traz a magia e o Trhiller do Michael Jackson entra em transe. O Cachorro Louco uiva na 3ª faixa. Os Índios Tupi Guarani saúdam a deusa da Guanabara... e na Zona Fantasma, onde Super-Homem exila seus inimigos, um resgate dos verdadeiros revolucionários da MPB: Macalé, Melodia, Arrigo... O lado A é assim.
No lado B a sequência é mais poderosa ainda. Napalm na pele de cordeiro dos lobos cinzentos! Resgatada de 1958, A Bandeira do Meu Partido é o hino do socialismo moreno, do comunismo utópico do 3º mundo. Iluminação é prima do Vampiro, gravada por Caetano, e vem de leituras dos Sermões do Padre Antonio Vieira, enquanto iam sendo escritas as páginas beatiniks do Prêmio Jabuti de 62: Deus da Chuva e do Sol. Demais! No Fado do Gatinho, uma safadeza paira nos telhados de Portugal. O Tataraneto do Inseto é o discurso além-Nietzsche. Um mergulho na Science-Fiction russa. Canalhas, arrependei-vos! é o risco do gênio na cara dos criminosos da Capemi, do Inamps, dos torturadores... Um antídoto sob a fórmula de um veneno.
Tudo baila à guisa do prazer. Uma sociedade que tanto idolatra o trabalho deve estar pronta para homenagear o prazer. Trotski visto pela Tragédia Grega. Machiavelli na era dos computadores. Mautner. A espiral e o cogumelo atômico. O oriente visto pelos gramáticos ocidentais. A cultura original dos aztecas, maias e incas, trazidas aos índios brasileiros, em suas plumagens e rituais. Tudo isso no movimento do Kaos. A formação do guerreiro. A Babilônia e a Atlântida sendo submetidas aos satélites. O cometa Halley que se aproxima. A Democracia. A Utopia e a Fé. O perdão contínuo. A faca frágil do bisturi. Flauta, tambor, chuva e a dança. Mautner. Amadores do mundo, domesticai vosso orgulho.! Warhol e Oswald, Tarsila; os Ideogramas do Tao. A bomba H e o estalinho de São João. A vida. A diferença entre os dragões de Dom Quixote e de São Jorge. Num, o circo católico viu o pecado e matou o fogo pondo sua lança naquelas mucosas em chamas. Noutro, seu amor tornava-se ventos que movem moinhos, e onde há vento é necessário inventar o furacão. Mautner esta aí. Somos muitos Brasis, somos o único Brasil! Axé, kolofé, Agô!"

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Falando de Leminski

Em sua edição nº 13, de agosto de 2012, o excelente jornal cultural Cândido, publicado pela Biblioteca Pública do Paraná, traz uma entrevista com o escritor de Londrina, Domingos Pellegrini. O escritor, dentre muitas coisas, fala de sua relação com o poeta Paulo Leminski, um dos mais brilhantes representantes da poesia brasileira de sua geração. Sobre Leminski ele falou:
"Inicialmente, a minha relação com Paulo Leminski foi conflituosa. Ele defendia a gratuidade da arte, e eu defendia uma arte comprometida. Estivemos em lados opostos, inclusive em polêmicas veiculadas em Curitiba. O Hamilton Faria, o Reinoldo Atem, o Raimundo Caruso e eu defendíamos uma posição, e o Leminski, o oposto. Depois, fui me aproximando dele. O que nos uniu, por incrível que pareça, foi a arte militar. Durante muito tempo, fui fascinado por histórias de guerra, tática de guerrilha e estratégias. Eu não podia imaginar que o Leminski conhecia o Von Clausewitz, um teórico alemão de guerras. Começamos a dialogar assim. Passei a frequentar a casa dele, e ele também esteve em várias vezes na minha, quando eu morava em São Paulo.
Leminski era a pessoa mais inteligente com quem eu me encontrava para conversar. Tínhamos uma euforia para trocar conhecimetos, devido a nossas posturas e visões de mundo. Fui o primeiro do meu grupo a romper com o marxismo-leninismo, e a perceber que a ditadura do proletariado seria apenas mais uma ditadura. Iríamos simplesmente, trocar uma ditadura de direita por uma de esquerda. Quando falei isso para os meus colegas comunistas da época, todos me olharam como se eu tivesse uma espécie de lepra ideológica. Mas o Leminski entendia. Uma vez, eu estava na casa dele, e chegou um cidadão que o convidou para ir a um encontro de um novo partido de esquerda. No ano anterior, o Leminski havia participado de uma convenção partidária cantando umas músicas, o que agradou os convidados. Mas o Leminski se recusou a participar do novo encontro, e disse: 'desse brinquedo eu já brinquei'. Ele tratava a ideologia como brinquedo, como uma brincadeira.
Domingos Pellegrini
O Leminski e eu tínhamos essa capacidade de enxergar além e fora das ideologias, e isso nos unia, embora discordássemos a respeito de muitas questões. Mas, como a gente concordava que a variedade é a maior riqueza humana, discordávamos com prazer. Era gostoso ouvir ele defender seus pontos de vista. E ele gostava de escutar o que eu tinha a dizer. Um grande encontro que tivemos foi quando eu descobri Jesus, mas não o Cristo cultuado pelas igrejas, cuja vida é tão deformada na Bíblia, e sim o Jesus Cristo que transparece nas parábolas. Um dia cheguei na casa do Leminski, no bairro do Pilarzinho, em Curitiba, e ele perguntou o que eu estava lendo. Contei que estava 'lendo' Jesus. Ele se espantou, perguntando: 'você também?'. É que Leminski, naquele momento, estava escrevendo aquela biografia de Jesus Cristo, posteriormente compilado no livro Vida, com outras biografias que ele produziu. Tínhamos, enfim, esses encontros fulminantes, reveladores, e os desgastes contínuos, que eram absorvidos como gozação. Ele viajava com alguma frequência para a finalidade de encontrar os irmãos Augusto e Haroldo de Campos. Eu perguntava: 'vai pastar nos campos?'. Assim era a nossa relação."

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Infidels (1983) - Dylan Volta a Ser Dylan


No fim dos anos 70 e até início dos 80 Bob Dylan se converteu ao Cristianismo, e isso se refletiu em sua música. Os discos que lançou nesse período representaram uma fase muito fraca em sua carreira. Aquele Dylan contestador, de letras inspiradas e aquela postura que marcou sua personalidade pessoal e musical desaparecia, para tristeza de seus velhos fãs. Porém, em 1983, aquele velho Bob Dylan voltava à cena, ao romper com sua conversão religiosa, e Dylan voltava a ser Dylan, com o ótimo Infidels, que representou um renascimento em sua carreira. A revista Roll nº 3 fazia uma resenha, assinada por Alexandre M.C. Aguiar:
"Bob Dylan, o maior intérprete da geração beatnik, está de volta. Infidels, seu último elepê, que tem a participação de Mark Knopfler do Dire Straits, apresenta um Dylan em total sintonia com seu tempo, livre dos lamentos cristãos que marcaram Saved e Shot of Love, seus últimos trabalhos. Dylan retorna revigorado à cena do rock, com seu mais brilhante disco desde o antológico Blood on the Tracks. Nos loucos tempos que correm, nada melhor do que a voz do poeta Dylan falando daquilo que sentimos, mas  nem sempre somos capazes de dizer.
Desde Blood on the Tracks (1975), Dylan não fazia um disco tão empolgante. Infidels, seu 25º disco LP oficial, mostra um Dylan reencontrado consigo mesmo e, portanto, capaz de aliar letra e música como só os poetas sabem. Com a colaboração de Mark Knopfler, guitarrista do Dire Straits, Dylan produziu oito canções poderosas, introspectivas e perspicazes, livre dos jargões que pesavam sobre seus últimos trabalhos. As canções de Infidels falam de religião e política e têm raízes numa profunda tristeza:  a tristeza dos corações partidos e dos sonhos desfeitos, a tristeza da meia-idade, a tristeza que tem sido a fonte do rock'nroll, de Chuck Berry e Every Breath You Take.
Quem poderia esperar essa reviravolta, principalmente depois dos mórbidos Lps Saved e Shot of Love, onde o misticista Dylan tecia suas apologias à má consciência cristã? Esses álbuns eram clímax de um processo iniciado com Desire (75), quando ele resolveu se auto-expurgar das metáforas e personas que haviam lhe transformado no profeta dos anos 60. À sua fama Dylan retribuía com simples narrativas sobre sua vida pessoal. Ouvir o artista de mil posturas lastimando 'Sara, oh Sara/ Don't ever go' (Sara, oh Sara/ Nuna me abandone/Nunca se vá) - dava pra se imaginar quanta dor Dylan sentia para estar se despindo dessa maneira.
Além de pessoal, íntima, aquilo também representava uma morte artística. Sob esse ângulo, a conversão de Dylan ao Cristianismo - e os discos que disso resultaram - não era surpreendente. Era como se ele tivesse que adotar uma outra visão de mundo, para poder recuperar a torrencial linguagem figurativa que um dia lhe habitara. Mas o público não viu com bons olhos o seu herói entoando crenças que ele (público) já rejeitara há muito tempo.
Infidels é o fim de todos esses problemas. No lugar deles, um homem de 42 anos, de olhar aguçado, que relata o seu mundo enfadonho e sua frustração, como seu homônimo - o poeta Dylan Thomas - está cantando suave como o mar. Isso teria sido impossível sem a banda arregimentada por Mark Knopfler: Sly Dunbar na bateria, Robbie Shakespeare no baixo, Alan Clark, do Dire Straits no órgão e o ex-Stone Mick Taylor e o próprio Knopfler nas guitarras. Knopfler e seus colegas conseguiram trabalhar com o notório tímido que é Dylan num estúdio, sem sacrificarem a espontaneidade que sempre marcou seus discos.
Dylan, o poeta que ergueu as pontes culturais por onde muitos passaram, sabe que já não é mais a voz de uma geração, e, sabe também que nunca mais escreverá uma canção como Like a Rolling Stone. Tudo que ele parece querer saber, é se o público também entende isso. Depois de anos e anos de discos indiferentes, Dylan está de volta às portas da percepção artística - poeta, antena da raça. Infidels é também um alerta para os homens que selaram com o terror o destino do Homem. Não se trata de humanismo, é a visão crítica de quem disse uma vez, 'the times they're changin', porque mudava com o momento. É ótimo ter Dylan novamente em sintonia com seu tempo. A poesia é irmã da vida, desde que seja viva."

domingo, 16 de dezembro de 2012

100 Anos de Gonzagão - O Rei do Baião

Na última quinta-feira, 13/12, o Brasil todo comemorou o centenário de nascimento de um de seus artistas mais populares e representativos: Luiz Gonzaga. Considerado porta-voz do povo nordestino, Luiz Gonzaga se tornou um dos cantores e compositores que melhor representaram a alma, não só do nordestino, mas do povo brasileiro em geral. Sua influência para vários músicos, principalmente os nordestinos, é cantada e decantada há décadas, atestando sua importância para a música brasileira. Mesmo um roqueiro como Raul Seixas, cuja escola musical passa longe da música brasileira - desde criança só ouvia música americana, abria uma excessão para Luiz Gonzaga, como uma influência, a ponto de ser pioneiro na fusão rock e baião, com "Let Me Sing, Let Me Sing", música que o lançou no VII Festival Internacional da Canção, em 72. Antes dele os tropicalistas Gil, Caetano e Gal trouxeram para a nova geração a música de Luiz Gonzaga, que a partir de metade da década de 50, principalmente após o surgimento da Bossa Nova, passou a ser considerado um música matuto e ultrapassado. Eu mesmo, só vim a dar maior atenção a Luiz Gonzaga quando já estava chegando à fase adulta. Não me afinava muito com o ritmo do baião, embora soubesse dos elogios que recebia de alguns dos meus ídolos musicais. Gostava mais de Jackson do Pandeiro e seu ritmo. Hoje os considero os dois maiores representantes da música nordestina, cada um seguindo seu estilo.
Creio que foi lá pelo final dos anos 70, com o surgimento de uma geração de músicos nordestinos, como Alceu Valença, Fagner, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Ednardo e outros, que passei a me ligar mais em Gonzagão e sua música.
Para lembrar do Rei do Baião, vou reproduzir um trecho de uma esntrevista que ele deu à revista Música em 1980:
"- Quem foi que lhe deu o nome de Rei do Baião?
- Isso começou no tempo da Rádio Nacional. Quando eu comecei a cantar, meu prefixo na rádio era o Baião. Mas, pensando que o Baião pudesse acabar logo, providenciei uma canção que pudesse abranger o Brasil inteiro, então escolhi Boiadeiro ('Vai boiadeiro que a noite já vem'). Boiadeiro existe tanto no norte, no Sul, como na Argentina - o tema é sempre o mesmo. Aí o Baião começou a estourar. Naquele tempo, os artistas recebiam muitas cartas. Tinha semana que eu recebia 50, 100 cartas. Hoje o fã não sabe nem pra onde escrever, porque o artista não tem mais um prefixo. Então os fãs começaram a me pedir a letra do Baião e a me chamar de Rei do Baião. Nessa época o animador número um da Rádio Nacional era o Paulo Gracindo, que me chamava de 'Luiz Gonzaga, sua sanfona e sua simpatia'. Eu achei que, para o futuro, isso era pouco: preferi mesmo Rei do Baião.

-Como o senhor reagiu quando surgiu aquele boato que os Beatles iam gravar Asa Branca?*
- Tirei partido (ri). Dei entrevista como o diabo e ganhei dinheiro. E só ia dizendo: não sei se eles vão gravar; se vier em libra é melhor (ri). Depois as pessoas perguntavam assim: 'Gonzaga, porque os Beatles não gravaram Asa Branca?' Eu dizia:´'Porque eu não quis' Eles começaram a discutir entre si e aí eu lhes escrevi uma carta dizendo que acabassem com essa porcaria senão eu acabava com o conjunto deles. Eles acabaram o conjunto (ri).
- O senhor anda dizendo que vai largar a carreira. É verdade?
- Não, eu vou descansar, vou deixar de viajar. Essa minha vida é muito dura, viajo muito. Agora vou tomar conta das minhas coisas. Como eu tenho um contrato de cinco anos com a RCA, fico fazendo, enquanto tiver forças, um disco por ano. Quando precisarem do velho Lua para grandes festivais ou grandes festas, é só mandarem a passagem para Exu. Nesses casos eu não vou fazer nem questão de dinheiro, porque já estou na minha, estou vivendo minha vida, mas quero mais respeito com meu nome.
- O senhor não vai sentir saudade do palco?
- É claro que vou sentir, mas se continuar aceitando tudo o que estão me oferecendo - vem cá, vai pra ali, pra acolá - não vou desfrutar nunca o que ganhei. Nós não estamos em época de guardar dinheiro, estamos em época de investir. Estou investindo lá na minha terra, tem umas coisas lá pra eu cuidar. Quando completar quarenta anos de disco, aí eu fecho o balaio. O que quero é deixar de correr."

* O boato sobre o interesse dos Beatles em gravar Asa Branca foi inventado pelo produtor Carlos Imperial, talvez para trazer o nome de Luiz Gonzaga de volta à mídia, já que naquele período (anos 60) ele andava meio esquecido. Porém, em 78 o cantor grego Demmis Roussos gravou Asa Branca em ritmo de discoteque.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Leila Pinheiro, Ivan Lins e Nana Caymmi Falam de Aldir Blanc

Em 1996, quando completou 50 anos, Aldir Blanc lançou um cd em comemoração à data, reunindo vários artistas amigos e admiradores de sua poesia, dentre eles Paulinho da Viola, Ivan Lins, Fátima Guedes, Edu Lobo, Walter Alfaiate, Carol Saboya, Nana Caymmi, MPB-4, Ed Motta, entre outros. O cd "Aldir Blanc 50 Anos" foi uma bela homenagem ao grande letrista. Além do cd normal, distribuído para as lojas, também foi lançado um tempo depois em bancas de jornais, encartado em uma revista, com um preço mais em conta. Essa era uma prática comum na época, quando a indústria fonográfica dava os primeiros sinais de uma crise que viria a se agravar anos mais tarde. É essa edição do cd que possuo. A revista trazia bons textos de amigos como Hermínio Bello de Carvalho, Luis Nassif (músico, pesquisador e jornalista econômico), Marcos Veras (jornalista, escritor e diretor de programas de tv), além do próprio Aldir e fotos dos bastidores da gravação do cd, servindo como um encarte da obra. Há também três depoimentos sobre o primeiro contato com a poesia de Aldir, dados por Leila Pinheiro, Ivan Lins e Nana Caymmi:
Leila Pinheiro: "A primeira vez que ouvi uma poesia de Aldir foi na voz da baixinha, Elis Regina. Eu tinha uns quatorze anos. É lógico que eu não tinha ainda chão para assimilar toda aquela beleza, mas me impressionou muito. Depois, veio a fase com o João Bosco, aquelas composições todas. Mas até pouco tempo ele era uma pessoa muito distante da minha vida, completamente inacessível. Sabe, aquela vida de poeta, inteiramente dedicado ao seu ofício. Eu, que vou morrer escrevendo e não cantando - sou louca com poesia! - sei o que isso significa, esse encerramento em si mesmo. Também fui assim. Achava que para cantar bem não podia tomar sol, mergulhar no mar. Bem, foi quando surgiu a parceria dele com o Guinga, meu amigo de mais de quinze anos. Meu Deus, eu vou conhecer ele, pensei. O mais engraçado é que pelo telefone ou por fax, a gente se fala horas. Mas ao vivo, pinta uma reverência, pois ele é um ser humano muito especial. Só fui duas vezes à casa dele. O resto foi sempre por telefone. O que eu sinto quando estou ao lado dele é que ficamos os dois de salto alto. No dia em que ele foi ver me show Catavento & Girassol, chorou no camarim. E eu fiquei a meio metro do chão, flutuando..."
Ivan Lins: "A primeira poesia de Aldir que me marcou se chamava 'Olhos Verdes'. Éramos garotos, ele tocava bateria. O romantismo e a fossa estavam sempre presentes na nossa turma. A gente se encontrava no bar, derrubava várias garrafas e alguém pedia: minha namorada me chutou... declama Olhos Verdes! Aldir declamava e a gente chorava... Depois nos reencontramos nos festivais universitários, e o que mais me impressionava nele era a versatilidade literária, até hoje imutável, mantendo a mesma intensidade. Não tenho dúvidas de que ele é um dos maiores poetas desse país. É um homem inteiramente dedicado a sua arte, poeta 24 horas por dia, unindo na mesma medida talento e suor. Por isso ele é esta pedra preciosa que todos nós admiramos. Entre as minhas composições favoritas, incluo 'Dois pra lá, Dois pra cá', 'O Mestre Sala dos Mares', 'O Bêbado e a Equilibrista' e 'Cinquenta Anos'. Tenho por ele uma admiração infinita, pelo caráter e pela bonita postura diante da vida."
Nana Caymmi: "A primeira letra que ouvi de Aldir foi 'Agnus Sei', parceria com João Bosco. Eu ainda não o conhecia, só ao João, naquela época Aldir estava com filhos pequenos, muito solicitado, cheio de obrigações. Apesar da nossa ligação ser puramente musical, eu sempre achei o Aldir uma pessoa normal, com as dores e alegrias que todos nós temos. Mas eu sempre achei que havia um Aldir romântico escondido por trás daquela figura política. Para mim, música e política não se misturam. Por isso, sempre preferi gravar as canções mais românticas. E se não gravei mais, foi por falta de oportunidade. Destaco entre as que gravei 'Denúncia Vazia', que é uma verdadeira porrada! Eu fico muito feliz ao saber que Aldir está compondo com outras pessoas, ampliando seu universo. Um ótimo exemplo é '50 Anos', com Cristóvão Bastos."

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Show de Sting no Maracanã (1987)

Em 1987, Sting, que após o fim do Police formaria uma superbanda  e partiria em carreira solo, passaria pelo Brasil, e faria um mega-show no Maracanã, para um público de cerca de 150 mil pessoas. O músico já tinha uma ligação com o nosso país, através da música brasileira, que ele apreciava - era fã de Tom Jobim, e tinha planos de fazer parcerias com Milton Nascimento ("Conheço Milton há muito tempo e tenho vontade de trabalhar com ele há muito tempo também", disse em entrevista na época). Além disso, ele até havia composto uma música com letra em português (Fragile).
Aquela não tinha sido a primeira vinda de Sting ao Brasil. Em 1982 o Police, ainda uma banda não muito conhecida, havia vindo ao Brasil e tocado no Maracanâzinho, no Rio (não me lembro se tocou em outras cidades), e nem seria a última, Sting inclusive, anos depois iria abraçar a causa das populações indígenas brasileiras, ficando amigo do cacique Raoni. Ele também voltaria a tocar por aqui em uma nova reunião do Police anos mais tarde.
A vinda de Sting ao Brasil foi cercada de grande expectativa, já que seu primeiro disco solo, Bring Of The Night, fazia um grande sucesso mundial. Lembro que a Globo chegou a passar uma reprise do show em horário nobre, numa segunda-feira. Na ocasião do show a revista Roll, que ao lado da Bizz era especializada em rock, fez uma resenha, assinada pelo jornalista Manolo Gutierrez. Eis a matéria:
" Foi o maior acontecimento musical do ano. Desta vez, os cariocas tiveram o privilégio de assistir ao kick-off da excursão de Sting. Privilégio este que os parisienses tiveram por ocasião do debut de Bring On The Night, no final de 86. Mas Rio de Janeiro não é Paris, e o evento veio precedido dos problemas habituais da cidade maravilhosa. O ônibus que levava Sting  quebrou a caminho do estádio, obrigando o músico inglês e sua troupe a pegar uma carona na kombi de uma equipe da TV francesa. Com a grande afluência do público e o ônibus quebrado num lugar crítico do caminho para o Maracanã, o trânsito do centro da cidade tornou-se um verdadeiro caos, dificultando a chegada do público ao estádio. Mais de 150 mil pessoas aguardavam o esperado show de Sting com ansiedade quando, exatamente às 21:50, vestindo terno branco, Sting subiu ao palco e atacou 'Lazarus Song', levando a galera ao delírio total.
Apesar das boas vibrações no palco e fora dele, dava pra sentir que a banda ainda está esquentando, especialmente na parte percussiva, onde Delmar Brown e Mino Cinelu atravessaram por várias vezes. O show prossegue e Sting confirma seu carisma. Apesar de ser um inegável 'boa pinta', Mr. Gordon em momento algum abusa de seus dotes físicos para cativar a audiência. Seu estilo é simpático mas contido; em momento algum ele se entrega totalmente. Na banda, destaque absoluto para as teclas de Kenny Kirkland, ponto de equilíbrio dessa Sting Band. Mas nem tudo foram flores. Se é certo que o alto astral da massa dançando em todo o estádio foi um espetáculo à parte, não se pode deixar de dizer que esse não era um show para Maracanã. À certa altura do espetáculo, as pessoas começaram a se cansar e com razão. A música de Sting prima pela elaboração e preciosismo. Submetida ao desconforto natural do local, muita gente, que foi esperando se balançar ao som do Police, quebrou a cara e não entendeu nada. A nível  técnico, somente um porém em relação ao som: bem equalizado, mas muito baixo. A organização esteve bastante bem e o Maracanã cantou com Sting antigos sucessos do Police, como 'Spirits in The Material World', 'Roxane', 'Don't Stand So Close To Me' e 'Message In A Botlle' (no encore). De sua fase solo, 'They Dance Alone' e 'Little Wing' emocionaram os cariocas, que confirmaram que não há nada como Sting... Volte quando quiser."